Recuemos até 1993. Por essa data, Nuno Dias e Paulo Luís eram apenas jovens estudantes que moravam juntos em Coimbra e partilhavam sonhos no desporto. Cometiam as mesmas “loucuras” que as pessoas daquela idade: saíam à noite, bebiam uns copos (“valentes”), faltavam a algumas aulas (embora tenham feito um percurso académico imaculado), divertiam-se exatamente da mesma forma do que todos os que os rodeavam. E mal sonhavam no que acabariam por se tornar. Volvidas três décadas, não há ninguém no mundo do futsal (e do desporto…) que não saiba quem são Nuno Dias e Paulo Luís.
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E permita-nos, estimado(a) leitor(a), esta convicção: eles formam (mesmo) a melhor dupla de treinadores do mundo. O que, em bom rigor, não é apenas uma “mera” convicção. É algo que advém do suporte dos números. Os tais que nunca mentem. Mas lá chegaremos… Neste capítulo, importa, para já, trazer à colação outro facto que serve de rampa para esta reportagem: a melhor equipa técnica de todo o planeta mora (literalmente!) na Benedita. E os técnicos abriram as portas de casa ao REGIÃO DE CISTER.
Comecemos precisamente pelo início. E por Coimbra. “Éramos seis ou sete que nos tornámos amigos. Foram daquelas amizades que foram ficando. Um de cada canto do país. Ninguém conhecia ninguém, éramos todos caloiros e logo naquele primeiro ano criou-se uma amizade forte” começou por recordar Nuno Dias, relembrando tempos áureos em que os dois, juntamente com o restante grupo de amigos, participavam nos torneios de verão (e ganharam alguns…).
Tempos que recordam com bastante nostalgia. Aliás, ainda hoje há vestígios de uma vez que Paulo Luís não cumpriu a tarefa… de lavar a loiça. E que lhe valeu uma semana de “isolamento”. “E sem culpa nenhuma”, defendeu-se o beneditense, motivando uma forte gargalhada. “Aquela panela já tinha mofo”, retorquiu Nuno Dias.
Foi a única vez, segundo os próprios, em que se “chatearam”. Desde então, os laços foram estreitando-se cada vez mais. E porque as personalidades distintas podem, de facto, unir as pessoas. “Comigo é fácil ter alguns arrufos, mas com o Casca [alcunha pela qual é conhecido Paulo Luís] não”, explica Nuno Dias, algo que é complementado pelo adjunto: “Temos discussões saudáveis. Às vezes temos opiniões completamente contrárias, mas sempre na base do respeito.”
Em 1997 terminaram o curso de Ensino Básico – variante de Educação Física, na Escola Superior de Educação de Coimbra, em 2000 tornaram-se colegas de profissão enquanto professores, mas a vida voltaria a distanciá-los durante alguns anos. A dupla uniu-se de novo na época 2012/2013, quando juntos rumaram ao Sporting. Casca passou, então, de treinar o Beneditense, na 2.ª Divisão distrital da Associação de Futebol de Leiria para ser adjunto num dos grandes do futsal nacional. Um salto de vários escalões, mas que não atemorizou o antigo jogador, entre outros clubes, do Ext. Benedita.
Mas, nessa data, já os dois tinham fortalecido uma ligação que, arriscamos a dizer, jamais alguém vai conseguir beliscar. Porque há muitos irmãos que não se dão tão bem como Nuno e Paulo. “A forma pura como é amigo. No Casca isso enquadra-se perfeitamente”, relata Nuno Dias. “A nossa relação é muito mais do que profissional. Não é por acaso que o Nuno veio morar para a Benedita. A nossa amizade extravasa em muito aquilo que é o desporto”, salienta Paulo Luís. Isto, pouco antes de ambos responderem de pronto à pergunta do REGIÃO DE CISTER: confiavam os vossos filhos um ao outro? “De caras. Mas de olhos fechados!”, afirmam, sem reservas. Se mais provas eram necessárias sobre a cumplicidade destes dois “monstros” do futsal…
Até porque, acrescente-se, até mesmo em período de férias de futsal há uma imensidão de coisas que podem ser feitas (e são!) em conjunto. “É raro o dia em que não falamos. Exceto nas férias, também precisamos de descansar um do outro. Aí podemos não falar diariamente, mas também é raro o dia em que isso não acontece. E se não falamos, trocamos mensagens. Sobre o quê? Se quer ir levar uma ‘cabazada’ no padel, se mandamos um mergulho [ambos têm piscina em casa] ou se bebemos uma [mini]”, graceja Nuno Dias. Estas ou outras “atividades” são, apenas e só, mais um exemplo do óbvio. “O companheirismo. Acima de tudo, o Nuno é uma pessoa muito pura. Não esconde nada do que realmente é”, complementa Paulo Luís.
As histórias, está fácil de ver, dariam para… um livro. Porque, afinal de contas, são 30 anos de uma amizade que ultrapassou patamares que nenhum dos dois ousou algum dia prever. E mesmo que a astrologia não deixasse antever este rumo. “Somos o exemplo de que aquela história dos signos não tem nada a ver. Nascemos no mesmo dia e não temos nada a ver um com o outro nesse aspeto. Temos muito que ver, isso sim, na organização, na disciplina, na vontade de ganhar, na competitividade, na ambição, na educação, na formação, etc”, analisa Nuno Dias, numa clara alusão ao dia de aniversário… de ambos: 28 de dezembro. Mas até esta data festiva é motivo de risada geral. “Mas eu sou um ano mais novo, atenção. Ele é que é o velho”, graceja Paulo Luís, nascido em 1973, exatamente um ano depois do antigo jogador do Instituto D. João V (Louriçal).
Digam o que disserem e analise-se da forma que se quiser analisar, a verdade é que há muito mais que os une do aquilo que os separa. E se quisermos ir mais longe, até podemos dizer que Coimbra [curso superior] foi apenas o início de uma “vida” que o desporto, mais concretamente o futsal, e, agora [e provavelmente durante muitos anos], a Benedita, continuam a ajudar a contar. Porque é na freguesia beneditense, numa distância de sensivelmente 500 metros, que Nuno Dias e Paulo Luís residem.
É dali que partem, diariamente, para Lisboa, e é ali que chegam, também todos os dias, no final de mais um dia de trabalho. Sim, porque ambos fazem questão de ressalvar que vão e vêm todos os dias para e da capital. É ali que trabalham.
Alvalade é a “casa” desta dupla. O Sporting é o clube que servem. Tudo isto, pasme-se, há mais de uma década! Porque Nuno Dias e Paulo Luís formam a melhor dupla de treinadores do planeta desde a época 2012/2013.
E se na Benedita é relativamente comum ouvir os nativos dizerem que a vila é “o centro do mundo”, Nuno Dias e Paulo Luís fazem desse dito popular uma verdade insofismável.
Porque além de fazerem questão de morar na Benedita – Nuno Dias é natural de Cantanhede e, como o próprio diz, já viveu em vários locais -, os dois têm uma vida social bastante preenchida quando estão na freguesia do concelho de Alcobaça. Porque os muitos amigos de vida de Paulo Luís passaram a ser também amigos próximos de Nuno Dias. O que significa que os encontros, os almoços e jantares, a prática de vários desportos a título amador, entre outros “prazeres da vida” são… em catadupa. De tal forma que, por vezes, o difícil é mesmo arranjar tempo para tudo.
“A vila da Benedita é um sítio fantástico para se viver. Estou muito feliz por ter feito esta escolha”, confessa Nuno Dias, residente na vila há cerca de um ano, por influência do vizinho… Casca. É hoje caso para afirmar, de forma unânime, que a melhor dupla de treinadores do Mundo tem “selo” (total) da Benedita e que está a escrever uma das páginas mais douradas do futsal português… e mundial.
Amizade de universitários evoluiu para irmandade e juntos já conquistaram… tudo a nível de clubes!
É incomensurável o papel que a dupla Nuno Dias e Paulo Luís tem tido na evolução e na projeção do futsal à escala global, mas os números não enganam no que a títulos diz respeito: oito Campeonatos Nacionais, duas Ligas dos Campeões, sete Supertaças, seis Taças de Portugal, quatro Taças da Liga e quatro Taças de Honra da AF Lisboa. Tudo somado, e porque a matemática não mente, estamos a falar de 31 troféus. Tudo isto em “apenas” 11 épocas. O que dá uma média de quase três títulos por temporada. Se há alguma dupla melhor no mundo…
E mesmo já depois de terem conquistado tudo (e por mais que uma vez), a “sede” de vencerem cada vez mais nunca acaba. Parece até que ambos vivem… num qualquer deserto de troféus. “Queremos o tetracampeonato, o que seria inédito na história do futsal português. Não vamos atrás dos recordes e títulos históricos por orgulho, mas sim como motivação para querer continuar a ganhar. São estratégias de motivação”, afirmou Nuno Dias.
Uma visão que, de resto, também é partilhada por Paulo Luís, ainda com os olhos a brilhar com uma das medalhas da Liga dos Campeões. “Tem sido um percurso dos diabos, quem diria que em 2011 era treinador na Benedita e que, passados estes anos, estava a olhar para uma medalha com uma estrela dourada a dizer campeão europeu?”, assumiu, orgulhoso.
A verdade é que a história está para durar. Sim, porque mesmo já com uma década de leão ao peito, a dupla Nuno Dias/Paulo Luís vai estar, pelo menos, mais quatro anos em Alvalade, já que renovaram recentemente pelo Sporting até 2027. E se dúvidas (ainda) houvesse sobre a importância de um para o outro e vice-versa, as mesmas ficam dissipadas pelas reações de ambos. Num jeito quase que… siamês.
“Trabalhar sem o Casca? Isso para mim nem é assunto. Onde eu estiver, ele estará. O Casca não é meu adjunto, é um elemento da equipa técnica como eu. O Nuno Dias não é o melhor treinador do mundo. Quanto muito, e se for esse o reconhecimento, nós somos a melhor equipa técnica do mundo. São coisas diferentes”, afiança Nuno Dias.
E recuando ainda à prorrogação do vínculo de ambos com o Sporting, Paulo Luís alinha pelo mesmo diapasão: “Até a comunicação oficial da renovação do nosso contrato foi feita em conjunto. E isso faz-me sentir exatamente o que o Nuno está a dizer. Nós sabemos o trabalho que cada um tem de fazer, não só nos treinos como também nos jogos. Claro que a última palavra é sempre dele, mas sinto-me completamente realizado”. Mesmo que, na bagagem, Nuno Dias tenha uma experiência internacional que, na à data, foi vivida sem Paulo Luís. Antes de rumarem os dois ao Sporting, Nuno Dias fez parte da equipa técnica do CSKA Moscovo.
“Foi um ano de grande aprendizagem, apesar das dificuldades próprias de viver na Rússia, onde pouca gente fala inglês. Isto além de ter sido o ano de nascimento das minhas filhas… Mas o campeonato é extremamente competitivo e evoluí bastante nesse período”, recorda Nuno Dias.
E do passado para o… futuro, terá a dupla no horizonte o leme de Portugal? Ambos são claros: a Seleção Nacional está “muito bem entregue” a Jorge Braz, que é campeão europeu e mundial, e, para já, o pensamento dos dois “beneditenses” passa por continuar a somar títulos no Sporting. “A Seleção Nacional não é um objetivo. Nem sequer a longo prazo. Além disso, e é muito importante ressalvar esta questão, Portugal está muito bem entregue, o Jorge Braz é a pessoa certa no lugar certo e os sucessos falam por ele”, afirma, taxativamente, Nuno Dias. E como a ligação da dupla é quase de ferro, Paulo Luís apresenta uma argumentação similar: “Ser selecionador do nosso país será sempre um motivo de orgulho, mas isso, para já, não me passa pela cabeça. Ainda temos muito para conquistar nesta nossa caminhada”.