A máquina de costura de Alda da Conceição Santos, uma Singer, do século XIX, terá sido das primeiras da marca, que registou a patente em 1851. E é a mesma que ainda usa para costurar para fora, aos quase 88 anos.
Este conteúdo é apenas para assinantes
A martingancense herdou a relíquia da avó, que a comprou “quando era moça nova”. Alda aprendeu a costurar sozinha e foi quando casou, com 17 anos, que começou a fazer roupa interior. A primeira peça de roupa que costurou de raiz para fora foi para uma menina de uma família com necessidades. “Eram tão pobres que ela nem cuecas usava”, lembra Alda Santos, recuando às memórias do tempo em que muitas crianças iam para a escola descalças e não raras vezes de estômago vazio.
Não foi o seu caso. Estudou até à 3.ª classe na antiga escola primária da Martingança, atualmente um edifício degradado, mas a meta era a 4.ª classe, que não frequentou, como os restantes meninos desse ano, porque a professora adoeceu. Dos bancos da escola saiu para os negócios da avó paterna, dona de uma mercearia e da típica taberna do vinho. A pequena Alda, que tinha perdido o pai com 5 anos, e já sabia escrever e fazer contas, pelo que foi uma preciosa ajuda na contabilidade. “Fiava-se muito”, recorda. O negócio de família chegou ao fim vários anos mais tarde e voltou-se para a costura, já lá vão 70 anos. Fez de tudo um pouco, sobretudo vestidos, saias e blusas. Perdeu conta aos fatos de Carnaval que fez durante décadas. Também guarda com carinho os coloridos trajes do rancho, que confecionou para os desfiles na Martingança.
Hoje já não costura de raiz as peças de vestuário que outrora levavam a clientela à sua casa no centro da aldeia da Martingança. “Passam-se dias inteiros que não vejo ninguém”, lamenta a costureira, que ainda encontra forças para cozinhar diariamente as refeições e para ser a cuidadora da filha, dependente depois de sequelas resultantes de uma encefalite. Nas horas vagas, dedica-se a pequenos arranjos, ajustes ou bainhas, a maior parte para clientes que mantém há décadas. “Já faço pouca coisa”, confessa Alda Santos. São tarefas que também a ajudam a passar o tempo na casa de onde pouco sai. As dificuldades de locomoção são evidentes. A costureira não dispensa a ajuda de uma bengala, por causa de uma perna que, pela idade, “os médicos não arriscam operar”, como conta, conformada, a martingancense. Certo é que, ao “leme” da velhinha máquina de costura, a costureira ainda sente muito do vigor do passado.