Em dias soalheiros, e durante a primavera e o verão, chegam a ser quase 300 pessoas a andar ou a correr, mas nos dias chuvosos, em que o tempo pede para ficar no conforto do lar, o número reduz significativamente. Ainda assim, só a pandemia impediu o movimento Alcobaça em Andanças, que já leva 11 anos de existência, de sair às ruas de Alcobaça nas noites de quarta-feira.
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Falar deste grupo não será, por certo, estranho ao leitor – se é de Alcobaça já viu certamente vários “corajosos” a andarem e a correrem pela cidade com uns coletes refletores à quarta-feira à noite –, mas a premissa vai muito além do que promover apenas a atividade física. Quem o garante é Tânia Sampaio, uma das fundadoras do movimento. “A ideia é mesmo incluir todos. Queremos que seja um movimento inclusivo. As pessoas estão cada vez mais sozinhas e chegam aqui e, como incentivamos a que cada um ajude o parceiro do lado, criam amizades”, refere, explicando que há casos de pessoas que já deixaram de tomar medicação para depressões e algumas questões neurológicas. Além disso, “há muitos médicos em Alcobaça a aconselhar a população a juntar-se ao Alcobaça em Andanças, que acabam por ter aqui um forte contributo para superar doenças”, acrescenta.
E há histórias que exemplificam na perfeição esta missão: “Um senhor inglês que reside em Alcobaça começou a vir correr connosco e houve um momento em que deixou de vir, o que nos suscitou preocupação. Passados uns meses, veio ter connosco e entregou a camisola dele, explicando que ia deixar de vir porque tinha Parkinson. Foi um momento em que nos tiraram o chão, mas igualmente marcante porque ele correu muitos anos connosco [no grupo dos chitas] e veio dizer que antes de ficar mesmo mal, queria que soubéssemos que a vida dele tinha sido diferente por nossa causa e que se tinha integrado mais rápido em Alcobaça também por nossa causa. Sentia o espírito de amizade”, salientou a alcobacense, que integra a organização do grupo. “Esta parte social é muito importante para nós. Queremos unir o desporto à questão social”, completou.
Para se ter uma ideia, existem atletas dos 6 aos… 74 anos. “Há pais que trazem os meninos nos carrinhos”, acrescenta, admitindo ter sido um dos casos. Mas não é só a idade que denota a grande capacidade incusiva deste movimento e prova disso são os cidadãos de nacionalidade brasileira, ucraniana, inglesa, entre outras, que se juntam ao grupo todas as quartas-feiras. “Temos famílias que vêm cá passar férias no verão e todos os anos se juntam a nós”, revela Tânia Sampaio.
A assistente de Direção de um museu, de 47 anos, recuou no tempo para contar como surgiu a ideia. “Em 2013, houve algumas localidades que aderiram a este tipo de desporto e, com um grupo de mais três amigos, pensámos: ‘vamos fazer isto em Alcobaça’”, lembrou, explicando que o grupo “Alcobaça em Andanças” começou a ir para as ruas da cidade à quarta-feira.
Um amigo puxou outro amigo e de quatro “carolas” no início, os números subiram, e em certas semanas, chegaram a… 250 “amigos”. “Quando está mau tempo as pessoas acabam por vir menos. No verão é o boom”, analisou a alcobacense, explicando todo o procedimento entre as dezenas de participantes.
Existem cinco ritmos: dois de caminhada – um que caminha muito devagar e outro a um ritmo mais acelerado – e três de corrida – a iniciação (que completa 6,5 quilómetros em 50 minutos), a corrida (que faz oito quilómetros) e os chitas, que percorrem 9,5 quilómetros no mesmo tempo.
Por volta das 20:30 horas, começam a chegar os primeiros desportistas junto ao Mosteiro – lá haveria ponto de encontro mais emblemático para ser efetuado o aquecimento e captada a fotografia de grupo – e às 21 horas arrancam os diferentes grupos. Uma hora volvida e todos voltam a encontrar-se junto ao Rossio.
Para se “inscrever” basta… aparecer, sendo que os ritmos são definidos pela própria pessoa e também pelos monitores, que ajudam a identificar o melhor grupo e que são também responsáveis por delinear o percurso que vai ser efetuado em cada semana. As rotas são alteradas de uma semana para a outra.
“As nossas famílias já sabem que à quarta-feira à noite não estamos para ninguém”, brinca Tânia Sampaio. “Enquanto houver um sorriso na cara, ganhamos sempre mais do que aquilo que perdemos ou ao sítio onde não fomos. Serve-nos de consolo e esse é o maior sorriso que podemos receber”, finalizou.
Pedro Vigário tem 47 anos, acumula as funções de terapeuta de desabituação tabágica e gere um lagar de azeite. Entre as duas missões profissionais que lhe ocupam grande parte do tempo, arranja (quase) sempre um espaço para não falhar ao treino de quarta-feira à noite. “Aconselho o Andanças para tudo. Não só para quem quer deixar de fumar, que ajuda, mas também para tudo o resto. A nível psicológico, a nível físico…”, enumerava, poucos minutos antes de dar início ao treino.
Juntou-se ao movimento um ano depois da criação do mesmo, mas tenta sempre não falhar. E nem a chuva é justificação para faltar ao treino semanal.
Pedro Vigário, que experienciou todos os ritmos de treino, já perdeu a conta aos amigos que “recrutou” para se juntar ao grupo. “Mas já ganhei milhares aqui. O Alcobaça em Andanças é um movimento de inclusão. Basta aparecerem, começarem a confraternizar uns com os outros e isto torna-se um vício (dos bons). A evolução das pessoas é fantástica”, complementava, acrescentando que daquelas noites já resultaram momentos que, certamente, vai “guardar para sempre”.
Joel Lapin é também um dos mais antigos do grupo. Aos 51 anos, o perito de seguros automóvel começou, em 2009, a fazer umas corridas e, pouco tempo depois, juntou-se à organização do movimento. “É uma família que encontrei”, atirou, de imediato, sublinhando que naquela família “não existem raças, etnias, nacionalidades ou estratos sociais. Há pessoas de quem, por vezes, nem o nome sabemos. Há espaço para todos. É juntarem-se a nós e desfrutarem do momento”, asseverou o participante, relatando que no grupo surgem muitos professores deslocados. “Somos também um pouco das suas famílias enquanto estão por cá”, referiu.
E se no seio do grupo existe o objetivo de serem um grupo verdadeiramente inclusivo, é também certo que o Alcobaça em Andanças está atento às necessidades da comunidade.
Por essa razão é que responde sempre “presente” quando chamado a colaborar em iniciativas de cariz marcadamente social, associando-se aos donativos e atividades solicitadas pelo Banco Alimentar Contra a Fome, pela Cáritas, pela Re-food Alcobaça, pelo Grupo de Amigos dos Peludinhos de Alcobaça, pelas escolas, pelo Ceeria, entre outras entidades.
Isto tudo, claro, sem nunca colocar em causa a caminhada ou a corrida de quarta-feira à noite. Até porque para as centenas de atletas da família do Alcobaça em Andanças, aquelas horas são mesmo sagradas. É tempo em… família.