Nós, embrulhados nas nossas certezas e dogmatismos, continuamos a querer deitar fora o bebé com a água do banho
Gaspar Vaz
Viajar deveria ser um direito universal, na medida em que permite confrontar pontos de vista tradicionais, com outras mundividências, com outros modos de enfrentar a realidade. Este ano, viajamos pela Holanda e a Alemanha, visitando lugares óbvios (Amsterdam, Rotterdam, Colónia e Hamburg…) e a outros que nem tanto (Delft, Leiden, Eindhoven, Münster, Lübeck…), mas que tinham que ver com referências culturais: Margueritte Yourcenar, em Münster, Vermeer, em Delft, e, em relação a Lübeck, Mahler, Thomas Mann e os Buddenbrooks, Günter Grass, Willy Brandt…
Valendo pelo seu todo, a viagem salientou dois pontos de particular interesse: Colónia e Amsterdam. Assim, quando chegamos à praça em frente à Catedral e à Estação Central, vimos o que já estávamos preparados par ver, mas não àquele ponto: uma sociedade “descaraterizada” pouco “alemã”, pelos estereótipos vigentes. O mesmo aconteceu em relação a Amsterdam. Por ignorância minha, escolhi um hotel tão central que acertei mesmo no coração do ”Red District”, a moderna de Sodoma e Gomorra. Porém, nenhum destes medos se aguentou, face à realidade. Embora Colónia e Amsterdam sejam mosaicos culturais e étnicos complexos, funcionam. E funcionam em segurança, em paz e em progresso. Sem aquela diversidade étnica e cultural, nem Colónia nem Amsterdam seriam o que são. A diversidade faz já parte das suas matrizes, estando já do lado de quem serve e de quem é servido, de quem paga e de quem recebe. Por cá, no regresso, vendo forças políticas dispostas a negociar orçamentos em troca de referendos sobre a imigração, concluo que não se aprendeu grande coisa com a história, sobretudo com aquela que sempre nos prejudicou. Quando, nos séculos XV a XVIII, os reinos católicos do sul europeu expulsaram a diferença, na forma de judeus, huguenotes, reformadores, começaram a cavar a sua decadência, a sua inferioridade em relação ao norte. Nesse aspeto, a Holanda, agora Países Baixos, foi particularmente sábia, fazendo do livre comércio e da tolerância chaves de desenvolvimento. Nós, embrulhados nas nossas certezas e dogmatismos, continuamos a querer deitar fora o bebé com a água do banho. Assim, não vamos lá.