“Olhá a bola de Berlim, com creme e sem creme, olhaaaá a bolinha”. O pregão do homem, que faz soltar uma sequência de palmas dos banhistas, é bem conhecido por quem frequenta a praia na Nazaré. As variações do chavão diferem de vendedor para vendedor, mas a ideia é a mesma: anunciar que estão por perto as adoradas bolas com creme (ou sem) que fazem as delícias de miúdos e graúdos durante o verão.
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Vítor Marcos vende bolas de Berlim no areal da praia da Nazaré desde os 13 anos e já lá vão 39 verões. Todos o conhecem por conseguir colocar “mêa praia”, como dizem os nazarenos, a bater palmas de forma sincronizada. Quem não conhece fica surpreendido com o “ritual”, mas depressa aprende a lição e junta-se aos que já são presença assídua na praia e sabem de cor a sequência do pregão e das palmas. Começou a atividade nas férias da escola e, desde então, adotou a venda de bolas de Berlim como um extra de verão. “O que mais gosto neste trabalho é de conviver com as pessoas, tenho clientes que só me compram bolas a mim e é sempre bom revê-los”, conta o senhor Vítor ao REGIÃO DE CISTER, horas antes de pegar ao serviço.
Nos dias em que acumula dois trabalhos levanta-se às 5 da manhã, trabalha até à uma da tarde e da uma às três vai ensacar as bolas que serão distribuídas na praia nas horas seguintes. Depois é vestir a t-shirt, os calções, agarrar na mala carregada de bolas de Berlim e encher os pulmões para ter fôlego suficiente durante toda a tarde para apregoar a mítica frase “Olhá a bola de Berlim, com creme e sem creme, olhaaaá a bolinha”. Quando não trabalha de manhã estica a toalha na praia durante as primeiras horas do dia: “Também sabe bem aproveitar a praia e descansar um bocadinho”, confessa o homem, que à tarde volta a vender as famosas bolas.
Perde a conta às bolas de Berlim que vende por dia, porque tudo depende dos dias e da temperatura. “Há dias melhores e dias piores, depende de muitos fatores, entre os quais o sol e a semana”, reconhece. Quando fica sem bolas (o que acontece várias vezes, tal é a procura) volta a abastecer-se e regressa à praia com a caixa que carrega ao ombro novamente cheia, pronto para percorrer mais alguns quilómetros no extenso areal da praia da Nazaré. Apesar de, em tempos, poder ter tido a oportunidade de trocar este trabalho por outro não o fez. “Fiquei a fazer isto porque gosto muito, um bocadinho meu já é da praia”, admite o vendedor, entre risos.
Outra cara bem conhecida dos veraneantes da praia da Nazaré é a da D. Elvira, que começou a vender bolos no verão de 1972 naquele areal, com apenas 19 anos, para poder ganhar o seu dinheiro e ser mais independente. Ao longo da vida foi tendo vários empregos, mas nas férias, em agosto, e nos fins de semana durante o mês de julho, vinha sempre para a praia, carregada com “bolas & diversos”. “Gosto imenso deste trabalho, gosto muito de rever os meus clientes, de os ver crescer, há famílias que conheço há quatro gerações”, conta a nazarena, de 71 anos. O carinho que tem pelos clientes e o carinho que os clientes têm por ela é notório. “Se não apareço num dia, vão logo perguntar por mim e quando apareço enchem-me de beijos”, revela a vendedora, enquanto “aviava” mais um pedido. Gosta muito do contacto com as pessoas e reconhece que essa é a melhor parte daquela atividade de verão. Os clientes habituais já são tratados como família: “Alguns conheci em bebés, depois cresceram, apresentaram as namoradas ou os namorados e agora já me chamam para ir conhecer os bebés deles”, acrescenta a D. Elvira ao REGIÃO DE CISTER.
Há mais de cinco décadas que os dias de verão são passados a vender bolas de Berlim no areal da praia da Nazaré. De manhã orienta as “coisas em casa”, depois desce para a praia e é lá que passa a tarde a trabalhar. Nos últimos anos, e uma vez que já a idade assim o exige, já não leva tantas bolas como levava, vende-as “sem pressas” e quando as malas ficam vazias volta para casa, descansada e com “missão cumprida”. Apesar do esforço que este ofício obriga, a vendedora confessa que não trocava este trabalho por nada e que ficar em casa não é opção. Em tempos contou com a ajuda do filho: “quando precisava de mais bolas, ele ia buscar e trazia para a praia para depois poder vender”. Agora a neta ajuda-a quando é necessário. Os dias de muito calor são os mais complicados, mas mesmo assim prefere o sol aos dias mais cinzentos: “Nesses dias não há pessoas na praia e eu preciso que as pessoas aqui estejam para fazer o meu trabalho”, afirma, com um sorriso.
As horas ao calor, os muitos quilómetros que percorrem na areia e o peso das malas são os maiores desafios deste trabalho de verão, mas não é por isso que estas duas caras bem conhecidas na praia da Nazaré deixam de fazer aquilo de que gostam. Sempre bem-dispostos e cheios de energia, prontos para alegrar o dia de quem por eles se cruzam, ajudando a manter a tradição do “Olhá a bola de Berlim” no areal da praia da Nazaré.
Produtores apostam em novas variedades de recheios
A tradição ainda é o que era, mas também há que inovar. A mesma coisa é dizer que a bola de Berlim com creme de ovos ou de pasteleiro ainda é bastante procurada, mas a escolha dos recheios é cada vez mais variada. Chocolate, maracujá, Kinder Bueno ou morango são algumas das tantas opções disponíveis.
A trabalhar na Nazaré desde 2015, já percorreu várias localizações até chegar ao local onde se encontra atualmente. Com uma “barraquinha” instalada na Marginal, mesmo em cima do areal, o Sr. Joaquim “oferece” 19 sabores diferentes de bolas de Berlim aos clientes.
Apesar dos recheios base, como o de creme de ovo ou o de chocolate, serem ainda os mais concorridos, a procura por novos sabores é cada vez mais procurada. O Sr. Joaquim tem ainda a particularidade de apresentar, a cada duas semanas, um novo recheio, o que tem despertado a atenção dos clientes e, ao mesmo tempo, tornado o desafio de experimentar todos os sabores bastante difícil. Há ainda a especialidade “Sr.Joaquim”, a bola que tem recheio de creme de pasteleiro: “Ao contrário do que as pessoas costumam pensar, este sim é o recheio típico português em vez do creme de ovo”, revela fonte da empresa.
Com a massa tradicional, destacam-se os recheios de limão, de maracujá, de doce de leite, de oreo. As bolas com massa de beterraba com recheio de chocolate branco ou com massa de alfarroba com recheio de doce de ovo são igualmente um sucesso. Com o objetivo de inovar e de chegar a um público mais vasto a empresa, que este ano também está a vender bolas na praia de São Martinho do Porto, criou, recentemente, uma bola de Berlim… vegan.
Também com um posto de venda de bolas de Berlim instalado na Nazaré está o Atelier do Doce. Desde 2019 que as bolas de Berlim da empresa, sediada no Casal do Amaro, na freguesia de Alfeizerão, fazem sucesso na praia. Há oito sabores diferentes, entre os quais Kinder Bueno, chocolate, maçã e morango.
Apesar de no início apenas venderem as bolas de Berlim num quiosque, a empresa passou também a vender este bolo tão típico de verão pela praia. Isto permitiu com que o negócio crescesse e que fossem admitidos novos colaboradores. “Apesar de hoje em dia ainda existir muita gente a preferir as bolas mais ‘básicas’ como a com creme de ovo ou simples, acredito que os outros sabores tenham crescido bastante no mercado, diria que neste momento as vendas estão 50/50”, revela Rui Marques ao REGIÃO DE CISTER. O gerente do Atelier do Doce adianta ainda que, ao longo dos anos, as vendas têm vindo a aumentar, mas há oscilações. “Depende muito dos verões, se for um verão quente vende-se muito mais, se for um verão mais fraquinho as vendas baixam logo”, acrescenta.
Além da praia, que faz aquecer o negócio das bolas de Berlim no verão, esta especialidade do Atelier do Doce chega também a várias cadeias de supermercados (como o El Corte Inglés e a Sonae), a pastelarias, cafés e várias empresas que exploram áreas de serviço nas autoestradas.