A probabilidade de haver mirtilos biológicos a nascer nos campos da Maiorga é quase tão reduzida como uma curadora de arte transformar-se numa pequena agricultora. Pois bem, essa é a história de Inês Coelho, que há oito anos trocou a cidade italiana de Sondrio pela terra do pai para se dedicar a um negócio biológico e sustentável com a família, a que chamou de Eccentrik.
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“Trabalhava numa livraria e o meu marido era enólogo, mas ambos estavámos a precisar de uma mudança. Como já passávamos temporadas de férias na Maiorga e havia um grande terreno, que era do meu avô, por explorar, pensámos por que não?“, recorda Inês Coelho, que esteve emigrada em Itália vários anos, depois de se formar em Curadoria. “Como o nosso terreno é demasiado pequeno para uma cultura como a pêra e maçã pensámos numa cultura que fosse pouco comum nesta região”, explica a especialista em arte contemporânea. Surgiram, então, os mirtilos, um fruto que já era apreciado em família e “uma planta que requer poucos cuidados”.
Juntamente com o marido Michele Forni, também parceiro do negócio, e os três filhos, Inês Coelho mudou-se para a Maiorga em 2017. Acabaria por se candidatar a um programa de incentivos para jovens agricultores com o projeto dos mirtilos biológicos. Entre vários avanços e recuos, o financiamento só viria a ser aprovado em outubro de 2019. “Foi uma verdadeira maratona. Tivemos de desistir de algumas ideias, houve necessidade de fazer vários estudos, pelo caminho apareceu a covid-19 e só foi possível colocar as primeiras plantas na terra em abril de 2022“, explica Inês Coelho.
O projeto aprovado passou pela plantação de 6 mil plantas de mirtilo, da variedade Miss Alice Mae, sendo que cada planta poderá chegar aos quatro quilos. “A primeira colheita correu muito bem, muito acima das nossas expectativas“, refere a maiorguense. “Aquela terra era muito árida e seca, não havia sequer uma abelha ali. Tivemos de reflorestar tudo, dedicar muitas horas ao projeto e esperar pelos frutos do nosso trabalho”, acrescenta.
A venda foi feita diretamente ao consumidor. Inês Coelho e os filhos instalaram-se, entre os meses de maio a julho, numa das bancas do Mercado Municipal de Alcobaça para vender os mirtilos da Maiorga. “Se pautamos o nosso negócio pela sustentabilidade não fazia sentido vendermos os mirtilos em caixas de plástico de 250 gramas. Quisemos criar um novo hábito e vender os mirtilos em caixas – feitas em choupo – a partir do meio quilo porque os mirtilos devem comer-se juntos e não um de cada vez”. No segundo ano de colheita, o granizo causou marcas no fruto e isso impossibilitou a venda do fruto na grande distribuição. “Não tivemos como escoar a grande quantidade de mirtilos que tínhamos”, lamenta a produtora, que acabaria por criar compotas de mirtilo e outras receitas.
Para este ano, o objetivo da Eccentrik passa pela comercialização em cooperativas e reforçar parcerias, lembra Inês Coelho. De resto, a maior conquista do negócio está feita: “a transformação da terra é o maior orgulho”, admite a “curadora” dos mirtilos biológicos made in Maiorga.