Casos de assédio laboral, pressões para fazer greve e irregularidades no ato eleitoral de 27 de dezembro estão no centro das acusações denunciadas por vários trabalhadores do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria) ao REGIÃO DE CISTER. Em causa está a gestão do presidente da Direção da instituição, José Godinho.
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Os colaboradores, que preferiram manter o anonimato por medo de represálias, elencaram vários tipos de pressão nos últimos anos, nomeadamente com a realocação em postos de trabalho com maior exigência física, de forma a provocar “desconforto” e a “castigar” aqueles que não seguissem as linhas orientadoras da Direção em funções, assim como a criação de “enredos” para “comprometer” os trabalhadores que não correspondiam às pretensões daquela Direção, criando alegadamente desestabilização entre os funcionários.
As testemunhas denunciaram também a existência de comentários xenófobos e ameaças por partes de alguns elementos – nomeadamente do até então presidente da Direção –, que terão sido dirigidas a trabalhadores estrangeiros, aos quais terá sido dito “que não arranjariam trabalho em mais lado nenhum na região”. Estes episódios terão sido frequentes durante os últimos anos, nos quais vários colaboradores, garantem as mesmas fontes, acabariam por deixar a instituição visivelmente “agastados” com as lideranças até então existentes.
Mas, as acusações não ficam por aqui. A manifestação, que aconteceu nos passados dias 16 e 17 de dezembro, terá sido metodicamente organizada por um grupo de funcionários com ligação à atual Direção – que em certos momentos terão dito que a greve era “obrigatória” –, tendo os dias sido remunerados de forma irregular e com recurso a “horas de formação”, que não aconteceram.
Sabe também o REGIÃO DE CISTER que antes do ato eleitoral do passado dia 27 de dezembro, terão sido entregues delegações de voto a alguns funcionários da instituição para que, dessa forma, exercessem o direito de voto de associados que “não são de cá”, que não estariam presentes e que não teriam conhecimento da mesma situação. A manobra terá começado a ser forjada há um ano, mas contextualizemos.
O caso relativo ao Ceeria ganhou expressão no passado mês de novembro, quando foi proposto um pedido de demissão de dois sócios por alegadas irregularidades. Na reunião magna, o ponto proposto pela Direção acabaria por ser retirado antes mesmo de ser votado.
Ainda assim, o caso serviu de gatilho para um momento conturbado da instituição e que ganhou ainda maior dimensão com o tema relativo às eleições para os órgãos sociais. O anúncio da candidatura de uma lista liderada por Pedro Pombo, também presidente da Junta do Vimeiro e da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça, terá provocado consternação em alguns funcionários da instituição, que se mobilizaram para uma greve na qual afirmavam que não pretendiam políticos na liderança do Ceeria.
Depois de dias em que foram exibidas tarjas – a primeira com críticas à Direção em vigor e a segunda de apoio à mesma, nos muros da instituição –, os colaboradores saíram em viaturas da instituição em horário laboral, durante dois dias, para distribuírem panfletos na cidade de Alcobaça e noutras freguesias do concelho. A manifestação terá acontecido depois do presidente em funções ter discursado para os colaboradores, ainda na instituição, afirmando que “se ali estavam é porque queriam que a Direção se mantivesse à frente do Ceeria”.
No entanto, e de acordo com os relatos ouvidos, a suposta greve terá surgido no seio da Direção então em funções, que terá “orquestrado” um plano para levar avante o protesto. Numa gravação a que o REGIÃO DE CISTER teve acesso foi possível perceber que aquela manifestação terá sido desenvolvida de forma ilegal e que José Godinho afirmou saber “truques” para que a tal greve fosse remunerada. Durante a conversa, que juntou alguns membros do círculo diretivo, terá sido planeado o número de dias de greve e a forma como iria decorrer, com o dirigente máximo da instituição a frisar que pretendia apenas a sua candidatura para as eleições que se avizinhavam.
Ao REGIÃO E CISTER, as mesmas fontes revelaram que os funcionários terão sido coagidos a assinar um documento para validar a realização do protesto. “Na folha, tinha os nomes dos colaboradores e dois quadrados – sim e não – para dizer se aderíamos à greve, sendo que fomos condicionados para o fazer”. E vão mais longe: “houve uma ata assinada sobre uma suposta assembleia de trabalhadores, realizada a 29 de novembro [um dia depois da polémica Assembleia-Geral] que nunca existiu”, relataram os funcionários.
No dia em que os funcionários saíram para a rua foram distribuídos panfletos que visavam elementos que integravam a lista liderada por Pedro Pombo e que ocupavam cargos políticos, resultando numa queixa-crime contra os autores dos mesmos, que não foram identificados.
As publicações teciam acusações não só a elementos da candidatura já anunciada, como também recordavam mandatos de Direções anteriores, referindo que “nos anos 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 foram desviados da conta do Ceeria para contas particulares milhares de euros”, e lembrando ainda as alegadas ”faturas ilícitas e fraudulentas passadas a uma associada nessa época”.
Ao REGIÃO DE CISTER o anterior presidente da Direção do Ceeria, José Belo, acabaria por rejeitar as acusações.
Sobre o ato eleitoral de dezembro, estarão em causa irregularidades antes e no decorrer das eleições. Terão sido entregues delegações de voto a funcionários para que, dessa forma, exercessem o direito de voto de associados que não estariam presentes. Isto sem que nem todos os sócios ausentes tivessem conhecimento da situação. No áudio, é percetível, pela voz de José Godinho, a forma como iriam ser aplicadas as delegações de voto. “Há um ano que a vitória está montada. Não há como perder. Aquelas pessoas não são de cá. Ou seja, isto estava tudo armadilhado para tranquilamente ganharmos”, atirou.
Antes do sufrágio, contudo, foi revelado à Lista A [a de Pedro Pombo] a existência de mais de uma centena de associados votantes que tinham regularizado as quotas nos dias que se antecederam, o que não conferia ilegalidade ao abrigo dos Estatutos, mas a situação não agradou os membros daquela lista. A discordância sobre o caderno eleitoral motivou uma situação inédita: foram colocadas duas urnas de votos na sala.
Na primeira urna, na qual constavam os boletins dos associados identificados no caderno eleitoral entregue dias antes à Lista A, os resultados ditaram, além de três nulos e um voto em branco, uma ligeira vantagem para aquela candidatura (104 votos contra 102 da Lista B, liderada por José Godinho). Na segunda urna, na qual foram colocados os votos dos associados que tinham pago as quotas nos dois dias imediatamente anteriores à eleição, a escolha recaiu na Lista B, que recolheu 68 dos 69 votos, tendo o outro sido um voto nulo.
O desfecho levou, então, à impugnação do ato eleitoral, que ficou também manchado por cenas lamentáveis. Nos primeiros minutos, um associado foi identificado pela PSP após provocar uma “conturbada discussão”, sendo que, já após o fecho das urnas, foi o candidato da lista B a ter de ser retirado das instalações após exaltar-se com membros da lista adversária.
Na ata lavrada ficou espelhado o desejo de 29 associados de realizar um novo ato eleitoral de imediato. Mas, a solicitação não foi acolhida pelo presidente da Mesa da Assembleia eleitoral interino, José Júlio Caldeira, que liderou aquela assembleia após dois pedidos de demissão. Isto porque, antes da assembleia geral em que constava o ponto de pedido de demissão de dois sócios, Lara Martins pediu a demissão daquele cargo, sendo substituída por Silvino Trindade, que acabaria por demitir-se antes da assembleia eleitoral.
O caso ficou entregue ao Ministério Público, depois da Segurança Social ter requerido “intervenção urgente” do órgão constitucional, que deliberou uma “gestão corrente” liderada “por elementos que integram a Direção cessante”, explicou à data o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria ao REGIÃO DE CISTER.
Só na passada sexta-feira voltou a haver assembleia geral, na qual ficou agendado o novo ato eleitoral.
José Godinho nega “incitamento à violência” e lança acusações
O presidente da Direção cessante do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria) negou à RTP ter planeado um plano para vencer as eleições para os órgãos sociais, realizadas no passado dia 27 de dezembro. Além disso, negou qualquer “incitamento à violência”, disparando ainda acusações de “desvios de dinheiro” e “maus tratos” ocorridos no mandato da anterior Direção da instituição.
Na sequência das denúncias recebidas pelo REGIÃO DE CISTER, o semanário tentou contactar José Godinho de forma a obter justificações e mais esclarecimentos sobre as acusações de que é alvo. No entanto, em resposta, o dirigente preferiu não tecer qualquer comentário, isto já depois de ter acedido a uma entrevista exibida no programa Prova dos Factos, emitido pela RTP na noite da passada sexta-feira, no qual deu a sua versão dos acontecimentos.
Sobre o alegado planeamento de uma “estratégia”, o antigo diretor dos Recursos Humanos do Ceeria garantiu que “os sócios que pagaram as quotas estavam em ata há mais de um ano e têm capacidade eleitoral”. “As pessoas foram votar porque informei no dia 24 [de dezembro] que iria recandidatar-me”, notou, explicando que, posteriormente, e face à sua intenção de recandidatura, as “pessoas disseram que iam pagar as quotas” para poderem votar.
Na gravação clandestina a que o REGIÃO DE CISTER teve também acesso, ouvem-se ainda declarações fortes: “Levanta-te da cadeira, vão lá procurar a casa do Pombo e do outro, levem 20 ou 30 pessoas e partam-lhe a casa toda. Façam é alguma coisa”, atirou José Godinho.
Questionado pela jornalista Patrícia Lucas, o dirigente negou veementemente o incitamento à violência. “É fácil gravar expressões de um líder que diz assim aos seus colaboradores: vocês insistem constantemente que eu me candidate, vocês querem que eu me candidate… e o líder diz isto: façam alguma coisa vocês pela instituição, não me estejam sempre a pedir a mim que seja eu a fazer pela instituição”. “Eu dei-vos tanta capacidade de liderança, tanta autonomia e tanta autodeterminação que eu não compreendo como é que sufocam o líder para que este tome ações”, ripostou.
E prosseguiu. “Enquanto liderados, tomem ações, façam qualquer coisa. Façam chover, façam cair sol, vão a casa do senhor, virem a casa, façam o que quiserem”, acrescentou ainda, justificando que “quando se pegam em expressões deste género…”.
Sobre o tema, o visado na gravação em questão, Pedro Pombo, garantiu ter avançado com uma queixa-crime.
Durante a reportagem, José Godinho, que liderou a instituição entre 2021 e 2024, disparou também acusações sobre um antigo tesoureiro da instituição e sobre a anterior Direção. “Durante anos, esse senhor foi tesoureiro da instituição, onde aconteceram os desvios de dinheiro e os maus tratos sobre as pessoas”, acusou, já depois de ter afirmado que “o contabilista durante muitos anos mexeu nas contas da instituição de forma ilícita”.
“Em 2020, tudo aquilo que diz respeito à Direção anterior, onde muitas dessas pessoas estiveram, foi a altura em que a instituição foi multada pela Segurança Social por exercer maus tratos sobre as pessoas com deficiência, a alimentação não tinha qualidade, os utentes fugiam, os utentes em cadeiras de rodas eram agredidos ao ponto da cadeira de rodas virar, erros de medicação…”, acusou ainda o antigo presidente da Direção do Ceeria, acrescentando que está “tudo” registado. “Tudo isto que estou a dizer, alguém me consegue contrariar que tudo o que está associado à Direção anterior são maus tratos, desvios de dinheiro, fraude fiscal?”, atirou.
Além disso, indicou que, no passado mês de fevereiro, a instituição tinha 140 mil euros numa conta e 97 mil noutra. “Não é normal que a instituição seja agora mais apetecível?”, questiona.
Na mesma peça, José Godinho informa que “não vai recandidatar-se” ao próximo ato eleitoral e que vai abandonar a instituição. “Saio da instituição e deixo a instituição relativamente capitalizada”, assegurou, dizendo não a “ter encontrado capitalizada”.
Eleição dos órgão sociais agendada para 16 de abril
Depois de o ato eleitoral, que decorreu no passado mês de dezembro ter sido impugnado, as eleições para os órgãos sociais do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria), para o mandato 2025-2028, foram reagendadas para o próximo dia 16 de abril.
A nova data ficou estipulada na última assembleia geral, realizada na noite da passada sexta-feira, na qual foi reconduzido também o presidente da Mesa da Assembleia Geral (Silvino Trindade), de acordo com um despacho do Ministério Público.
De acordo com a convocatória, a eleição decorrerá entre as 16:30 e as 21 horas. Na sala “open space”, antiga carpintaria, onde decorre a eleição, estarão apenas presentes os membros da mesa da assembleia geral e um representante de cada lista. Os associados entrarão na sala apenas para votar um de cada vez, saindo logo após o exercício do voto. É ainda referido que não têm direito de voto os associados com menos de um ano de vida associativa, nem poderão votar em representação de outros associados.
De acordo com as informações recolhidas pelo REGIÃO DE CISTER, a última assembleia contou com uma forte adesão de associados, destacando-se as ausências do presidente da Direção cessante (José Godinho) e do presidente do Conselho Fiscal (Duarte Morgado). Numa carta que foi enviada à Mesa da Assembleia Geral, e lida em voz alta para os associados, a ausência de José Godinho foi justificada com a intenção de “não gerar conflitos e discórdia” na sessão.
Entretanto, o REGIÃO DE CISTER confirmou a intenção de Pedro Pombo voltar a liderar uma candidatura. “Vou avançar com a mesma lista candidata”, referiu antes de garantir que, “ao contrário da ideia que se tem feito passar, nenhum membro da lista integrou direções anteriores do Ceeria”. O também presidente da Junta do Vimeiro e da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alcobaça é, à data, o único candidato conhecido à Direção.