Foi a votos em 2017, em 2021 e volta este ano a dar a cara na corrida à Câmara da Nazaré pelo Bloco de Esquerda. A candidata revela as prioridades da candidatura, tecendo fortes críticas à extrema direita.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > Para o Bloco de Esquerda, esta é a candidatura “mais difícil, mas também a mais necessária”. Porquê?
TELMA FERREIRA (TF) > É a mais difícil e a mais necessária por uma razão muito evidente. Hoje estamos a lidar com um paradigma completamente diferente: a ascensão de um partido antidemocrático, de extrema direita, e que pela primeira vez vai candidatar-se à Câmara da Nazaré. Confesso que, a nível pessoal, ainda não digeri os resultados das últimas eleições legislativas e dificilmente vou digerir. Temos uma diminuição da abstenção, mas temos também um partido que se transformou no primeiro partido da oposição. Esta candidatura do Bloco torna-se a mais difícil porque a esquerda está a enfrentar um momento muito difícil e é a mais necessária porque não podemos fechar os olhos ao que se está a passar. Estou a candidatar-me pela terceira vez pelo meu partido, no qual sou filiada há quase duas décadas, porque reconheço no Bloco essa esquerda que é necessária na Nazaré e a nível nacional. Considero importante que a nível partidário, a minha força política tenha maior expressão porque quanto mais expressão tiver mais propostas no sentido de dignidade de vida das pessoas, na igualdade, na distribuição da riqueza, serão mantidas e partilhadas. E faço isto também como uma necessidade de não ficar de braços cruzados a observar toda esta evolução, que é assustadora. Tenho muito orgulho na Revolução dos Cravos e nunca esperei que a minha geração estivesse tão próxima de voltar a viver um período como aquele.
RC > Que mensagem está por trás do slogan “Com todas as pessoas” desta candidatura?
TF > Qual é a responsabilidade de um partido? Não vamos à sua ideologia. A responsabilidade primeira de um partido é auscultar o contexto à sua volta para perceber que medidas pode efetivamente ativar no sentido de serem mais ajustadas à realidade. Este partido antidemocrático tem o que nenhum partido devia ter a nível ético. Todas as medidas são para excluir, desagregar, aniquilar, prender, proibir… em vez de haver uma inclusão. A política tem de praticar propostas que vão no sentido do coletivo. Temos de pensar no nosso município ou no nosso país e não segregar zonas nem pessoas. Este partido funciona ao contrário. Além disso, faz esta campanha prepositiva, com argumentos de grande violência, parece que as coisas que estas pessoas dizem saem das entranhas. O conteúdo é muito difícil de ingerir, porque o principal objetivo é separar. Por isso este é o momento de arriscar tudo. E as pessoas que nunca votaram na vida têm de fazer uma reflexão sobre o momento que realmente se está a passar. Até percebo essa desistência porque desde o 25 de Abril temos tido dois partidos de poder e há muito que se promete, mas a vida não melhora. Agora, não nos vamos iludir. Se não votarmos, alguém vai escolher por nós. E independentemente do resultados, o nosso voto foi naquele sentido. As pessoas que se desiludiram e agora não querem saber das forças partidárias porque são todas iguais, não se iludam, porque os partidos nunca foram iguais. Se querem saber o que os partidos defendem basta irem às instituições próprias procurar. Aí a desinformação não existe.
RC > É a terceira vez consecutiva que vai a votos para a corrida à Câmara da Nazaré. Nunca conseguiu ser eleita. Acredita que à terceira é de vez?
TF > O Bloco tem uma grande vontade de eleger a Cheila Aguiar, que é nossa candidata à Assembleia Municipal. É uma pessoa que vive no bairro social, é mãe solteira, nunca teve uma vida fácil, é a pessoa ideal para encabeçar esta lista. O nosso grande objetivo, tendo em conta esta eleição que vai ser muito difícil, no meio desta escuridão, é tentar manter o nosso lugar na Assembleia Municipal, que temos tido desde 2005. O Bloco tem feito diferença ao longo deste período com a fraca representação que tem tido. Há um eleitorado no concelho da Nazaré que acredita no Bloco. Esta candidatura também se faz de forma a ter uma postura de lealdade com quem vota em nós.
RC > Não teme que passe a mensagem de que não há mais ninguém disponível para encabeçar a lista do Bloco à Câmara da Nazaré?
TF > As pessoas tirarão as suas conclusões. Como deve calcular, não me autopropus. Há uma confiança distrital e nacional de que sou a pessoa que tem condições para assumir esta candidatura à Câmara. Eu aceitei. Temos as nossas fragilidades, mas também só assumimos uma candidatura se temos a certeza de que pode ser levada até ao fim. Não temos candidatos às juntas. O Bloco constrói-se, tendo em conta aquilo que consegue construir.
RC > A habitação é uma das bandeiras eleitorais desta candidatura. Que medidas concretas propõe?
TF > Ainda estamos a fazer o nosso manifesto eleitoral, estamos a auscultar pessoas de diferentes áreas. Mas, apresentamos manifestos desde que temos candidatura, ou seja, 2005. Há adaptações, mas não vão ser muito diferentes. Há pontos centrais como a mobilidade, a proteção ambiental, a resposta social e, para nós, a habitação é o tema que toda a classe partidária devia ter como prioritário. Na Nazaré, temos uma crise enorme de habitação. Além da desigualdade no acesso à casa que provoca, vai condicionar a vida das futuras gerações. Uma pessoa que tem um ordenado mínimo não consegue pagar uma casa. O problema da habitação foi completamente negligenciado pelo PS e pelo PSD. Desde 2020 que o Município tem organizado um Plano Local de Habitação, com recolha das necessidades da habitação social e dos agregados mais vulneráveis. O que é certo é que não vejo progresso. A construção de habitação pública na Nazaré é inferior a 1%, a nível nacional é 2%. É uma miséria. Portanto, propomos um reforço da habitação pública e é preciso perceber por que as verbas destinadas a esta construção estão encravadas. Se há uma estratégia local, há verbas destinadas para o 1.º Direito e para a reabilitação de prédios devolutos, o que se está aqui a passar? Vê-se especulação imobiliária… há cada vez mais empreendimentos de luxo que não são para os nazarenos, são para o turista de luxo. O PS já caiu em si e já implementou uma medida, com os votos contra do PSD, para a limitação dos alojamentos locais. Como é possível o Chega ganhar as legislativas na Nazaré, grande parte pelo seu discurso contra a emigração, quando somos uma terra com gerações que saíram à procura de uma vida melhor, a maior parte de forma ilegal? Não vamos brincar com coisas sérias. Já não basta a esquerda fazer uma luta de classes. O paradigma mudou. As classes mais vulneráveis estão viradas umas contra as outras. Tem de haver um limite às rendas e uma reestruturação da habitação social. A que existe na Nazaré está inqualificável, é desumano o que se está ali a passar. A tarifa turística também é uma proposta boa. Essas receitas podem ser direcionadas para essa habitação pública e para reduzir os preços da mobilidade do transporte coletivo. O Bloco defende a gratuitidade para algumas faixas etárias, mas nunca foi aplicada. O FAM condiciona o investimento público e prejudica a vida social das pessoas. A Nazaré Qualifica, que está a construir o seu pequeno monopólio e à margem do município – o Bloco sempre foi contra esta empresa municipal –, tem uma capacidade de receita boa. Essa receita tirada dos parquímetros, do farol, do elevador podem levar à gratuitidade no serviço de transportes urbanos coletivos.
RC > E o estacionamento na Nazaré continua por resolver… Que propostas tem?
TF > O problema da mobilidade está longe de estar resolvido na Nazaré. O importante é ter capacidade de criar áreas de estacionamento, distantes do centro. Para o Bloco, toda a zona histórica, durante o verão, devia ter acesso proibido, à exceção dos residentes. O carro individual, de quem vai a praia, não pode passar por ali. O parque do Porto de Abrigo foi bem requalificado. O outro parque pratica preços acessíveis, mas tem uma capacidade pequena. E depois há áreas de terra batida, mas sem organização nenhuma. É importante a criação de parques externos, condignos. Tem de haver uma resposta forte ao nível dos transportes coletivos.
RC > Nos últimos anos tem desempenhado funções como deputada municipal. Como olha para a Nazaré do passado e de hoje?
TF > Há uma grande evolução, acompanhada por um fenómeno do turismo de massa, que em vez de beneficiar os residentes, acabou por descontrolar tudo em todas as áreas. Tem de haver um desenvolvimento sustentável, que tem falhado. É certo que a Nazaré precisa do turismo. Mas, os sucessivos executivos fizeram desta projeção um turismo desenfreado, sem qualquer tipo de regras. Temos de perceber que outras áreas podem ser projetadas, além do turismo e das ondas gigantes, para salvaguardar recursos e distribuição da riqueza.
RC > Como avalia o ciclo de 12 anos do PS?
TF > O caminho que o PS fez teve grandes polémicas. A primeira logo quando tomaram posse, quando se diziam contra o FAM e foi a primeira coisa que fizeram. O zipline, os contratos públicos ilegais, o despedimento coletivo… Há pontos positivos, como a requalificação da Marginal, do parque de estacionamento ao sul e da própria projeção internacional. Mas, falhou redondamente noutras áreas. As pessoas farão essa avaliação. Nesta última aprovação do orçamento, o Bloco fez um acordo com o PS. Para se abster, o PS teria de integrar três medidas que para o Bloco eram fundamentais. O PS pôs em prática logo uma com a interpretação da linguagem gestual nas sessões da assembleia. Outra medida em andamento – espero que seja inaugurado antes das eleições –, a reconstrução de um parque infantil inclusivo. Fiquei desiludida com a anulação da terceira medida, aprovada por unanimidade em Assembleia há uns anos, mas sem nunca estar em prática por razões financeiras, que é a autonomização da tarifa social da água, que ajuda diretamente as famílias mais pobres. Todas as famílias têm acesso automático à tarifa social da energia. O Bloco quer o mesmo para a água e não preencher o requerimento. A resposta que tivemos foi que não era possível porque dava uma despesa de 200 mil euros aos Serviços Municipalizados.
RC > Nas últimas eleições legislativas, o Bloco teve o pior resultado de sempre a nível nacional. Considera que esses resultados poderão influenciar as eleições autárquicas? Ou ainda acredita que nas autárquicas as pessoas prevalecem aos partidos?
TF > Não são eleições iguais. Nas autárquicas as pessoas votam porque conhecem as pessoas e há uma relação de proximidade. Acredito que, como o paradigma mudou, os resultados legislativos vão influenciar os autárquicos. Espero que não. Se me perguntar se faço uma grande reflexão do período mau que o Bloco está a passar, não faço essa reflexão. Temos consciência que este fenómeno está a acontecer em todo o mundo. Acabo da forma como comecei: as pessoas têm de perceber quais são as candidaturas e o que cada uma pode oferecer.