Depois de uma primeira experiência autárquica em 2021, Licínio Ferraria assume agora a candidatura à câmara, com a ambição de combater desigualdades e dar voz a quem considera ter sido excluído da vida política local.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > Nas últimas autárquicas foi candidato à União de Freguesias de Arrimal e Mendiga, mas não conseguiu conquistar nenhum mandato. O que o motiva a dar o salto para uma candidatura à Câmara?
Licínio ferraria (LF) > A maior motivação é tentar acrescentar valor democrático, embora haja, noutros quadrantes políticos, algumas reservas quanto ao nível democrático do Chega. A minha maior missão é dar voz a quem não a teve nos últimos 50 anos. A bipolaridade que se instalou não permitiu essa abertura a outras pessoas e a outros quadrantes políticos. Essa bipolaridade também castrou a nossa democracia. Ainda assim, a nossa missão não é virada para o passado, é virada para o futuro, com os nossos jovens. Nem gosto muito de falar em política, prefiro falar em missão cívica. Essa é a grande motivação. A nossa terra está a ficar com muitas assimetrias. Em termos geomorfológicos há grandes diferenças, mas há outras assimetrias que quem esteve nos últimos 50 anos à frente da autarquia não conseguiu uniformizar. Há falta de recursos básicos nalgumas zonas do concelho, como a água no verão. Queremos um concelho mais uniforme e acrescentar valor democrático, dando voz a pessoas que nunca a tiveram.
RC > O que traz dessa anterior experiência autárquica para esta?
LF > Estive na primeira fornada de candidatos autárquicos do Chega a uma junta de freguesia. A política mais nobre ainda está nas câmaras e nas juntas e foi nessa missão, nesse movimento de cidadania, que se chamava “SOS Arrimal e Mendiga”, que quisemos dar uma voz. Numa fase muito primordial, as pessoas ainda tinham algumas reservas, como ainda têm hoje. Mas, creio que já nestas eleições ou em quatro anos, o Chega veio para ficar. E pela diversidade de pessoas que se está a rever no partido, a nível nacional e local, poderemos ter aqui um futuro mais democrático para o País e para as autarquias.
RC > Está também nas listas para a Assembleia Municipal e para a Junta de Porto de Mós. Houve dificuldade em “recrutar” elementos para as listas do Chega?
LF > Quando falo em acrescentar valor democrático também tem a ver com isso. É uma situação transversal a todos os partidos políticos. Cada vez é mais difícil encontrar pessoas que se assumam, que tenham coragem, que queiram dar a cara. Dar a cara é muito difícil, hoje em dia, em termos políticos. As pessoas são escrutinadas, marginalizadas e apontadas a dedo. Ainda não consegui perceber bem porquê, não sei se é das redes sociais ou não, as pessoas têm medo. Posso-lhe dizer e comprovar que no meu concelho há candidatos em funções por um partido que vão concorrer por outro partido. No concelho de Porto de Mós, há freguesias que só têm um candidato. Isso revela o que estou a dizer. Há cada vez mais dificuldade em haver coragem de avançar porque sabem que, a partir do momento que avançam, vão ficar numa linha de tiro. É duro dizer, mas conheço autarcas incríveis no concelho que fizeram grandes obras e não lhes foi reconhecido o devido valor. E esse descredibilizar da política trouxe-nos aqui. Além disso, já recebemos o convite um pouco em cima do acontecimento. É possível haver candidatos transversais às juntas, mas não temos objeção de consciência em dar o nosso nome para completar listas. Na Figueira da Foz, temos um Santana Lopes que vem de Lisboa, por exemplo.
RC > Mas, afinal, o Chega cresceu a nível nacional… por que não vê isso refletido nas estruturas locais?
LF > Se o convite tivesse sido feito seis a oito meses antes, creio que tivesse sido mais fácil encontrar mais candidatos para conseguir defender o voto do Chega a nível nacional no nosso concelho. Há uma questão que me é particular e sensível: certificar o voto a nível local. Esta certificação de voto pode gerar controvérsia. O Chega tem muitos votos de protesto pelo que os outros não fizeram. Eu já votei em todos os quadrantes políticos. Não tenho reservas nem objeções de consciência por ter votado em todos. Em função do momento do País, votei no que considerava ser a melhor solução. Hoje os objetivos são os mesmos, os caminhos é que são diferentes para lá chegar. Sendo a primeira viagem do Chega autárquico, a sério, poderá haver uma certificação de voto a nível local. Há votos do Chega a nível nacional que vêm de questões nacionais e nos impactam a todos. A nível local, essas questões podem não ser tão válidas. E é aí que falo na certificação do voto.
RC > É natural da Mendiga, tem raízes na agropecuária e na indústria extrativa, exerce funções como motorista de pesados… de que forma a sua experiência pessoal e profissional contribui para o perfil de autarca que deseja ser?
LF > Sou uma pessoa de me envolver para me desenvolver. Tendo humildade em aprender e me envolver na vida pública. Pela minha atividade musical, contacto com muitas instituições, associações e comissões de festas, conheço muita gente na região e isso sensibiliza-me para tentar melhorar as nossas vidas. Acredito que é uma mais-valia este saber fazer. Com a minha atividade ligada à música, tenho mais de 80 viagens aos Estados Unidos e Canadá e absorvo muito do que é a nossa terra. Eles passam-me isso. Esse sentimento do que eles me transmitem também será usado como experiência. Estes temas da emigração e imigração são temas de rodapés no noticiário. O Chega tem apresentado algumas estratégias que visam melhorar as nossas vidas. Portugal esteve de portas escancaradas… há pessoas que confundem esta situação. Mas, quando estou com os nossos emigrantes, sinto que estão totalmente de acordo connosco. A prova é que o voto dos círculos eleitorais da emigração têm dado voz ao Chega. Não generalizando, mas a maioria dos nossos emigrantes foi com carta de chamada, com sustentabilidade assegurada de quem os convidava, não foram ao deus-dará. Sei por experiência própria que cerca de 20% dos que entraram nos últimos dois ou três anos em Portugal, nem carta nem certificação de entrada tinham. Da nossa emigração trago muita motivação e experiência para poder aplicar nesta candidatura.
RC > Quais são os problemas do concelho que merecem intervenção urgente?
LF > É um concelho que requer, de quem está à frente da autarquia, um trabalho árduo para tentar uniformizar o concelho. Não é fácil. É um concelho muito assimétrico. Há realidades muito distintas. É mais fácil o saneamento básico chegar à Cumeira do que chegar à Cabeça das Pombas. Isso vai levar 20 ou 30 anos até isso acontecer.
RC > Como é que o Chega propõe atenuar essas assimetrias do concelho?
LF > Uma das necessidades é tentar resolver um dos problemas básicos de abastecimento de água nas zonas serranas. Outra é melhorar os serviços, nomeadamente na secção de obras da câmara. Na repartição de Finanças, está a haver um desfalque de funcionários… não é da sua competência, mas a câmara tem de mexer os cordelinhos e dar corda aos sapatos. Isto impacta toda a população. Por outro lado, não faz sentido pagar portagens na A19, tendo sido uma autoestrada que foi vendida como interesse estratégico para o concelho de Porto de Mós. Outra questão tem a ver com os acessos. Convido qualquer presidente de câmara ou alguém da autarquia a vir de Mira de Aire, Alqueidão da Serra ou Serro Ventoso com um camião carregado de pedra e contornar as rotundas ou passar pelas lombas em Porto de Mós. São centenas de camiões que passam ali diariamente e não estão acauteladas as condições necessárias. Há também uma insegurança em Mira de Aire e situações identificadas em Porto de Mós. Não é ir contra ninguém, é favorecer a vida em comunidade. Há que acautelar essas situações, que já foram devidamente reportadas. Na habitação, a ARU está aprovada em Mira de Aire e Juncal, mas o concelho tem muitas zonas rurais e casas desabitadas. Estas medidas podem não trazer votos, mas por que não criar um programa de reabilitação rural de casas antigas, dentro de uma estética e enquadramento paisagístico da aldeia? Veja-se o exemplo das aldeias de xisto da Lousã. Temos zonas industriais no Juncal, Mira de Aire e Porto de Mós, não sendo possível construir fábricas ou barracões ou anexos dentro das pedreiras, por que não considerar uma área de localização empresarial no Arrimal e Mendigal, próximo da matéria-prima? Quanto mais próximo estiver, mais fácil será não mandarmos os nossos jovens para fora, como tem acontecido. É um dos concelhos mais ricos em termos geomorfológicos do País, há muita coisa para ver. O turismo não pode ser só o castelo. É o nosso ex-líbris, mas temos mais para mostrar. Já vi nevar três vezes no concelho de Porto de Mós e foi incrível ver as pessoas subirem a serra para verem a neve lá em cima. Temos de criar bonecos de neve lá em cima para as pessoas começarem a ir lá? O PNSAC e a Câmara descuraram a reflorestação, não pode ser só eucalipto… Tem também de haver integração de novas comunidades no concelho, que não tem sido acompanhado. Há zonas críticas do concelho que já são quase favelas.
RC > O Chega continua a ser rotulado como um “partido de protesto”. Como responde a quem acusa esta candidatura de ser apenas “barulho” e não apresentar soluções?
LF > O voto de protesto é como ter dois irmãos e o pai perguntar quem roubou o queijo que estava no frigorífico. Vão sempre culpar-se um ao outro. Andamos nisto há 50 anos. As pessoas fartaram-se desta bipolaridade. Advêm daí o voto de protesto. O André Ventura tem muito mérito em criar essa onda. A certificação do voto tem de ser feita com esses candidatos que não têm medo e possam desmitificar alguma energia negativa em relação aos propósitos do Chega. Portugal deu voz ao Chega. A nível local, temos de transpor isso para as necessidades locais.
RC > Nas últimas eleições autárquicas, o Chega conquistou 2,96% em Porto de Mós. Nas últimas eleições legislativas, o Chega mereceu 26,06% dos votos. Acredita que o crescimento do Chega a nível nacional pode ter reflexo direto nas autárquicas em Porto de Mós?
LF > Quando fui convidado para assumir a coordenação, não tinha a noção do que poderia ser a minha missão. Quando me foi pedido se estaria na condição de avançar com uma candidatura à câmara, porque o concelho de Porto de Mós seria dos poucos sem candidatura assumida, pensei que 4 mil votos não poderiam cair em saco roto. Vamos defender, certificar e ver o que acontece.
RC > O que será uma vitória?
LF > A maior vitória será ganhar. Não sendo possível, é passar a mensagem que somos pessoas normais, comuns, que advêm de todos os estratos sociais, e que como cidadãos estamos cá para dar voz a todos. Se essa credibilidade e honestidade passar para cada pessoa, creio que haverá surpresas. O Chega veio trazer uma lufada de ar fresco. Portugal precisa de diversificar e dinamizar o panorama político. A democracia é isto.
RC > Se não ganhar, está disponível para colaborar a partir da oposição?
LF > Completamente. As pessoas conhecem-me. Os caminhos podem ser distintos, mas o objetivo é o mesmo. E o melhor tem de ser para todos nós. Falo com o coração na boca, não tenho qualquer estratégia política.