Sexta-feira, Maio 9, 2025
Sexta-feira, Maio 9, 2025

Contra uma política necrófaga

Data:

Partilhar artigo:

A natureza é uma realidade fantástica, não sendo boa nem má. Com efeito, sendo os valores, por definição, construções humanas, prestam-se ao pathos que é próprio do humano: cobrem uma área que vai do nefando ao sublime, do monstruoso ao santo. Mesmo assim, de um ponto de vista positivo (que é aquele que deve presidir às empresas humanas), os valores, pese, a sua equivocidade, não podem estar ausentes do agir verdadeiramente humano.

Voltemos, por agora, a essa realidade, fantástica e soberana, nem boa nem má, que se chama “natureza”. Pois bem, na natureza, existem uns seres, pouco simpáticos para a sensibilidade oficial, mas que desempenham um papel imprescindível na limpeza, higienização e asseio do nosso espaço. São os necrófagos. Embora sempre desconfie da san(t)idade humana, penso que ninguém escolheria como animais de companhia urubus, abutres, coiotes e hienas, escaravelhos e moscas – para não falar de fungos e bactérias… Porém, a natureza, indiferente aos nossos valores – e, parece que, muitas vezes, contra eles – faz o seu caminho com coiotes, terramotos, secas, inundações, bactérias. E, quando calha, vírus – com ou sem corona.

O homem, porém, que é muito melhor e muito pior do que a natureza, que produz Mandelas e Gandhis, Franciscos (de Assis e do Vaticano), Madres Teresas e Aristides, mas também hitlers, stalines , trumps, erdogans, putins, polpots e xijinpings, é capaz de tudo. E, mais astuto que hiena e coiote, é capaz de planear mortandades para engordar em festins necrófagos.

Região de Cister - Assine já!

Não entrando em teorias da conspiração, há, mesmo assim, realidades que dão trabalho ao pensamento:

1) uma superpotência como a China, onde, sem teorias da conspiração, terá surgido a epidemia, terá alguma justificação para exigir pagamentos antecipados, subir os preços, fornecer produtos a Portugal com instruções em mandarim?

2) um tiranete como trump (desculpem o erro, mas este senhor não merece letra maiúscula) pode demitir todos os que não concordam consigo, silenciar todos os jornalistas que colocam questões “desalinhadas”?

3) um case-study de imbecilidade ganhadora (bolsonaro) pode chamar “moleque” a quem se cuida e, “homem”, a ignaros e inconscientes valentões apoiantes?

4) quem, entre nós, vende máscaras, álcool e sabão a preços de ouro, merecia o quê?

Finalmente, seria de perguntar: quem é que, em situações-limite, nos livra do colapso? Dou algumas hipóteses: banqueiros? médicos? futebolistas? enfermeiros? corretores? professores? assistentes operacionais e técnicos? trabalhadores de supermercados? camionistas? agricultores?  comentadores? correios? políticos?

O mais fácil seria ceder ao populismo e escolher o que, nestas circunstâncias, parece “óbvio”. Porém, no dia seguinte à conquista de um campeonato, haverá outras conclusões “óbvias”, assim como, no dia em que os bancos, todos os bancos, devolverem, com juros, o que devem a todos nós, haverá outro “óbvio”. Temos, pois, evidências para todos os gostos.

Assim, sendo evidenciada a necessidade de todos para conseguirmos viver, não será decente dar dignidade a todos? Será que um banqueiro vale alguma coisa, se se mantiver na sua torre de marfim e não emprestar a gente com quem nunca se cruza (nem quer cruzar)? Será que os Messi, Ronaldo, Mbappé… valem alguma coisa sem os que apostam neles, pagando o que não podem pagar pelas suas habilidades? Quem salvariam os médicos e enfermeiros, sem a ajuda dos anónimos assistentes operacionais de saúde?

Ai, Brecht, como estás atual. Embora sabendo que a dimensão do meu “artiguito” já está muito para além do possível, gostaria de vos colocar à disposição esse extraordinário poema “Perguntas de Operário Letrado”. Eu sei que as coisas mudaram. Eu sei que certos conceitos foram proscritos. Porém, lá está, este poema, para mim, ainda é óbvio, permitindo-me fechar a minha argumentação:

 avisados por múltiplos factos, não queremos deixar, de vez, a necrofagia aos animais?

 

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem os nomes dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam os seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China, para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios.
Para os seus habitantes? Até a lendária Atlântida,
Na noite em que o mar a engoliu,
Viu afogados chamar os seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sozinho?
César venceu os Gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou, Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos.
Quem mais a ganhou?

Em cada página, uma vitória.
Quem cozinhava os festins?

Em cada década, um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias.
Quantas perguntas.

Bertolt Brecht, (1898-1956)

AD Footer

Artigos Relacionados

Hóquei: Eborense Sandra Coelho conquista Mundial de clubes

Sandra Coelho sagrou-se campeã do mundo de clubes, este domingo, depois de ter ajudado as espanholas do Vila...

Ténis: Veteranos de todo o País destacaram-se no regresso de torneio ao CT Alcobaça

Filipe Sustelo (Clube Ténis de Setúbal), Dominika Goreka (Lisboa RC) e a dupla Patrícia Couto (CTP Brandão)/Catarina Ferreira...

Homem detido por tentativa de homicídio em Pataias

Um homem, de 30 anos, foi detido pela Polícia Judiciária, através do Departamento de Investigação Criminal de Leiria,...

Aceda ao conteúdo premium do Região de Cister!