Preserva, na destreza das mãos e na coordenação das pernas, a arte de tecer que herdou da mãe e da avó. Aos 74 anos, Angelina Martins dedica “pelo menos um quarto de hora” por dia ao que chama de “entretém”.
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Além da tecelagem, a vida desta mulher, que vive no Arrimal desde que se casou, esteve, desde sempre, ligada à agricultura e à criação de gado. “A minha mãe trabalhava nisto e eu acabei por aprender com ela. Naquela época, tecia num tear pequeno que ela tinha lá em casa”, conta a tecelã natural da Bemposta, da freguesia de Arrimal e Mendiga.
Foi com cerca de 14 anos que começou a aprender a tecer, primeiro a observar a mãe e a avó, depois a elaborar as primeiras peças. Aos poucos foi herdando uma paixão com dezenas de anos na família e que ainda hoje preserva.
Questionada pelos segredos que guarda ao longo de quase 60 anos de experiência, Angelina Martins dá uma resposta modesta, entre risos: “Não há segredos”. Ainda assim, deixou alguns conselhos para iniciar a atividade no tear. “Primeiro tem de se colocar o algodão, passando-se os fios um por um”, explica.
O processo leva o seu tempo, principalmente “se as coisas não se puserem ao jeito”. Antes de se começar a tecer, há que preparar a canela um tubo pequeno em que é posto o tecido enrolado, depois, coloca-se a canela na lançadeira e, como o nome indica, lança-se entre os fios de algodão.
Depois, deve colocar-se uma peça na horizontal que serve de batente para “não rebentar com o pente”. Realizados estes procedimentos, já se pode começar a tecer, recorrendo a uma coordenação e uma destreza de membros inferiores e superiores que “se vai ganhando com a prática”.
Na sua residência, Angelina Martins possui dois teares, um mais pequeno que mandou fazer “há coisa de 20 anos” e outro que foi um presente de casamento dos pais, mas que já conta com cerca de 200 anos. “Quando me casei e vim aqui para o Arrimal os meus pais deram-me este tear como prenda.
Era da minha mãe, mas já tinha sido da minha avó”, afirma. Apesar de “velhinho”, trabalha de forma infalível, permitindo fazer carpetes para “colocar junto ao fogão de sala ou no sofá” com cerca de dois metros de comprimento, que pode ser superior consoante a necessidade, por 1,50 metros de largura (medida invariável).
O tempo que demora a fazer uma peça recorrendo àquele objeto secular é variável, porém, “se tudo correr bem” pode demorar apenas um dia.
No tear mais pequeno, que adquiriu há cerca de 20 anos, Angelina Martins costuma fazer tapetes com uma largura padronizada de 60 centímetros e um comprimento que normalmente oscila entre os 1,25 e os 1,50 metros.
No entanto, desengane-se quem pensa que a habilidade de Angelina se cinge apenas ao tear. “Gosto também de fazer estes pormenores à mão, alguns faço com trapo, outros com lã.
Antigamente tinha bastantes encomendas, agora tenho algumas, mas faço mais para mim própria”, partilhou, enquanto desenrolava um tapete para mostrar os apontamentos.
Ao longo de quase 60 anos a vida de Angelina Martins nunca dependeu exclusivamente do tear, alternando o tempo em que manufaturava tapetes com o trabalho rural. “Andávamos no campo, eu ia para as vindimas, para a azeitona e para as ceifas.
Só nos intervalos é que ficava com a minha mãe a tecer”, recorda a tecelã do Arrimal, acrescentando que “antes não havia empregos” e que isso motivava as famílias a “trabalharem no campo”.
O futuro da tecelagem manual, tal como aos dias de hoje, ainda é preservada por Angelina Martins, não se afigura risonho. “É um ofício que já não se passa de geração em geração”, precisamente, como passou da avó para a mãe e da mãe para Angelina.
Este é o sinal mais evidente da mudança dos tempos (e das vontades). “Há algumas décadas, como dizia, não havia empregos, seguíamos o que os nossos pais faziam e éramos felizes porque não conhecíamos outra coisa”, refere.
“Hoje há mais possibilidades, mais conhecimentos e também por isso esta arte se tem perdido”, completa.
Tradição é preservada no único tear ativo do Arrimal
Aquilo que antigamente era regra, hoje é exceção. Angelina Martins é detentora dos dois únicos teares ativos na localidade do Arrimal. Noutros tempos, o ofício era prática comum nos habitantes, principalmente entre as mulheres, que produziam a roupa para utilizar após o casamento.
“Não tínhamos outro remédio, não se comprava tudo feito na loja como hoje”, justifica, detalhando que, manualmente, produziu a maior parte do enxoval, nomeadamente, lençóis, tolhas, tapetes e carpetes.
A transmissão dos saberes é uma das principais dificuldades que, aos dias de hoje, colocam este tipo de ofícios em vias de extinção. “Hoje as crianças gostam muito de ver televisão e dos telemóveis. São outros interesses, ninguém se interessa por isto”, desabafa, partilhando uma história engraçada para exemplificar a mudança dos tempos. “O meu marido estava com dificuldade em mexer em determinada funcionalidade no telemóvel e a minha neta de quatro anos chegou lá, resolveu com facilidade e ainda se riu”, contou entre risos.
Mãe de três filhos e avó de quatro netos, Angelina Martins diz que a atividade não terá seguimento. “Hoje as pessoas estão mais ligadas às tecnologias e a verdade é que esta atividade não dá retorno. É natural que o ritmo de vida seja diferente”, aponta. O aumento das possibilidades, principalmente no que toca aos estudos, permite perspetivas de vida diferentes de há alguns anos, em que “apenas algumas raparigas iam estudar para Mira de Aire”, tal como a maior independência das pessoas. “No meu tempo praticamente ninguém tinha carta, hoje é ao contrário”, partilha.
Outra das dificuldades passa pelo fornecimento de algodão, matéria-prima essencial para o processo. “Já não há algodão como antigamente. Ia buscá-lo a Mira de Aire a um fornecedor que me trazia, mas o senhor faleceu. Já tentei arranjar, mas não consegui”, lamenta. Por ser a única tecelã em atividade no Arrimal, Angelina Martins recebe algumas visitas de pequenos curiosos da escola primária local, que tal como o REGIÃO DE CISTER têm a oportunidade (e o privilégio) de a ver tecer, à “moda antiga”.