Quinta-feira, Novembro 21, 2024
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Pedro Miguel Santos: “O apoio ao jornalismo é residual e incompreensível em Portugal”

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O jornalista e diretor do Fumaça defende que o jornalismo deve ser feito com tempo, mas para isso considera que é necessário haver mais mecenato à atividade e menos interesses económicos dos grupos que gerem a atividade em Portugal. Pedro Miguel Santos dá o exemplo do Fumaça que já é financiado a 40% por leitores e ouvintes.    

Andava na escola primária quando criou um jornal de parede que distribuía pelas caixas de correio da sua aldeia: na Corredoura, em Porto de Mós. Falou aos microfones da Rádio Dom Fuas e escreveu crónicas n’O Portomosense, ainda antes de se licenciar em Comunicação Social e Educação Multimédia, em Leiria. Foi um dos fundadores da rádio universitária IPlay e durante meia dúzia de anos foi jornalista na revista Visão. Pelo meio ajudou a organizar o protesto da Geração à Rasca. Trocou o jornalismo por uma associação ambientalista até acreditar que era possível fazer o que sempre idealizou no Fumaça. Aos 33 anos, é diretor do único órgão de comunicação social em Portugal distribuído via podcast.

O jornalista e diretor do Fumaça defende que o jornalismo deve ser feito com tempo, mas para isso considera que é necessário haver mais mecenato à atividade e menos interesses económicos dos grupos que gerem a atividade em Portugal. Pedro Miguel Santos dá o exemplo do Fumaça que já é financiado a 40% por leitores e ouvintes.    

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REGIÃO DE CISTER (RC) > O Fumaça apresenta-se como um órgão de comunicação social independente, progressista e dissidente. O que significa isso na prática?
PEDRO MIGUEL SANTOS (PMS)
> Fazemos jornalismo de investigação e jornalismo com tempo, sobretudo tempo para pensar e para voltar atrás. Se sentirmos que alguma coisa não está como devia estar não publicamos. Não temos um compromisso com a periodicidade, ainda que no inicio tivéssemos. O nosso único compromisso é publicar uma reportagem, série ou entrevista quando temos a certeza que está pronta. O capital mais importante que temos é a confiança das pessoas e não o podemos desperdiçar. Não temos uma grande máquina de marketing, não temos publicidade, não temos uma estrutura que nos apoie além das bolsas que recebemos e dos apoiantes – que são cada vez mais. O que nos distingue enquanto independentes tem a ver com essa ideia de que quem decide os destinos da redação somos nós. Funcionamos de forma horizontal: não há uma hierarquia em que um manda e os outros obedecem. Não dependemos de ninguém em particular, não temos acionista. O progressista tem a ver com o pressuposto que todas as pessoas devem ter direitos humanos assegurados. Dissidente porque é bastante raro ter uma redação controlada por jornalistas, algo comum no pós-25 de Abril e agora quase uma raridade. Também recusamos a atualidade e o imediatismo. Nunca haverá no Fumaça uma notícia a dizer que o prédio ao lado do Fumaça está a arder ou caiu lá um avião, provavelmente verás uma grande investigação do porquê de isso ter acontecido. A dissidência tem ainda a ver com os direitos laborais: ninguém no Fumaça trabalha a recibos verdes, não aceitamos estagiários e nunca trabalhámos com ninguém a quem não pagássemos. Não é possível fazer um trabalho jornalístico independente bem feito e dedicar as horas que dedicas ao projeto se tiveres sempre a contar tostões e achares que se disser isto ou aquilo vais ser repreendido.

RC > “Tempo para pensar”: as pessoas não têm tempo ou não querem ter esse tempo? 
PMS >
Sempre que perguntávamos aos apoiantes do Fumaça o que preferiam respondiam-nos as séries ou as reportagens que demoram mais tempo e têm mais profundidade. Por isso, não sou da opinião que as pessoas não tenham tempo para produtos demorados. O mundo é cada vez mais complexo, as pessoas tem acesso a uma quantidade imensa de informação, mas há um paradoxo: neste momento ela é toda igual, vais aos principais sites de informação do País e lês o mesmo em todos; os telejornais são praticamente iguais uns aos outros e tudo é muito pela rama. O que tem realmente sucesso são as grandes reportagens na televisão ou o tipo de trabalho que fazemos. O que as pessoas mais querem é que lhe abram perspetivas.  

“O capital mais importante que temos é a confiança das pessoas e não o podemos desperdiçar” 

 

RC > Acredita que o modelo de negócio do Fumaça pode ser replicado a outros projetos?
PMS >
Adoraria. Mas é muito difícil não ter comparação. Se for lançado hoje um jornal há um século de história de imprensa nacional e internacional… dá para ver o que correu bem e mal. Lançar um projeto de informação, que não é de informação diária, faz com que seja mais difícil, ainda para mais numa área de distribuição e num modelo em que a maior parte das pessoas não sabe sequer o que quer dizer “podcast”. 

RC > Já fez as pazes com o jornalismo? 
PMS >
(risos) Aprendi muito na Visão. Algumas das coisas que hoje fazemos não são assim tão diferentes do que se fazia no início quando entrei na revista. Depois degenerou completamente e a prática da redação passou a ser muito mais atomizada e menos interessante. O tempo em que lá estive estava no online e o facto de estar a falsos recibos verdes também não me permitia fazer uma série de coisas para a revista. Foi um conjunto de processos e dinâmicas que me desiludiram muito. Não me revia, sentia que não estava a avançar nada… tinha de trabalhar e tinha um trabalho. Saí e fui fazer algo muito mais interessante numa associação de defesa do ambiente, a Geota. Um projeto ligado a preservação de rios e quando estava nesse projeto – Rios Livres – o Fumaça entrevistou-nos e foi a melhor entrevista que alguma vez alguém nos tinha feito. A mais profunda, a que punha em causa o que nós dizíamos. Passado uma semana mandei-lhes um email a dizer que os queria ajudar a fazer aquilo. Mais tarde acabei por me despedir para ir para o Fumaça. 

RC > O Fumaça vive dos apoios dos ouvintes e de bolsas de investigação que tem ganhado… falta incentivo ao jornalismo com tempo?  
PMS >
A primeira bolsa que ganhámos ainda não éramos um órgão de comunicação social registado e foi dada por uma instituição internacional que olhou para conteúdos de dois anos e decidiu que valia a pena. Em Portugal isso jamais aconteceria. E isso é que é triste. Não teres instituições além da Gulbenkian que apoiem o jornalismo de investigação. Temos grandes empresas que não querem saber disso para nada. Preferem dar ambulâncias – não é que elas não sejam importantes – ou recuperar fachadas de edifícios, porque são coisas que ficam. No fundo, o mecenato ou o apoio ao jornalismo é residual e incompreensível em Portugal. Ou o Estado considera que é importante o que fazemos e esse papel é fundamental para a vivência democrática ou então não considera e um dia isto acaba tudo. Mas se considera, não me parece que seja possível, com a alteração total dos modelos de negócio, continuar a ter jornalismo que chateia e incomoda, que expõe as dificuldades e o que está mal na sociedade, e não só na política, sem que o Estado invista nisto.   

“A classe jornalística foi-se deixando capturar também por isso: por uma lógica comercial e por não ter batido o pé ao longo destes anos” 

 

RC > O jornalismo está “doente” porque não tem ninguém que cure as suas maleitas?
PMS >
O jornalismo vive uma crise e isso é visível para toda a gente. Há responsabilidades de parte a parte, não são só as administrações dos jornais ou os grupos económicos que vão entrando e saindo e que não querem saber nada de jornalismo ou de informação – querem é ter algum poder de influência indireto e que as pessoas saibam que eles são donos do jornal x ou da televisão y. A classe jornalística foi-se deixando capturar também por isso: por uma lógica comercial e por não ter batido o pé ao longo destes anos. Deixou que as redações se precarizassem totalmente. Não há problema nenhum que centenas de estagiários trabalhem de borla… isso fez com que a classe profissional perdesse força, ficasse sem capacidade reivindicativa e sem poder editorial no sentido em que há duas ou três pessoas que mandam nos jornais e nas televisões e depois há um exército de proletários que obedecem e faz o que eles mandam. Penso que os jornalistas também têm responsabilidades e deviam reclamar um maior controlo sobre as redações.

RC > É dos que defende que o jornalismo regional será o ultimo a cair, se algum cair? 
PMS >
Espero que não caia nenhum. Mesmo que tenha de se reinventar doutras formas, nomeadamente na distribuição, mas tenho dúvidas se o jornalismo em si vá deixar de existir. Nem sei se vamos deixar de ter jornais. Sei que o jornalismo regional é fundamental. Mesmo que as pessoas não comprem dão muita importância a saber as notícias da sua terra e perceber como é que as coisas funcionam. Isso talvez tenha migrado mais para o online, mas se virmos a quantidade de portais regionais que são criados, de pessoas que até acham que estão a fazer jornalismo… São criados sites com a aparência de que aquilo é informativo porque essa ideia de parecer um site noticioso e parecer que é feito por jornalistas continua a resultar e a vender. Há uma certa validação mesmo que aquilo só tenha propósitos comerciais e não tenha jornalistas ao leme daquilo. Penso que o jornalismo vai ser cada vez mais importante e tenho a ideia de que os mais novos, que hoje não ligam, sejam os futuros criadores e impulsionadores de outros projetos necessariamente digitais. Não quer dizer que não haja experiências analógicas, que não haja um jornal mensal ou anual ou uma revista muito bem desenhada com papel caro em que contes histórias. O Observador está a fazer isto. Os órgãos de informação vão ter de continuar a reinventar a sua forma de distribuição e de chegar às pessoas. E isso não tem de matar o projeto editorial que o fez nascer. Não há papel, haverá outra coisa.

“As pessoas têm acesso a uma quantidade imensa de informação, mas há um paradoxo: neste momento ela é toda igual”

 

RC > Acredita que a comunidade apoiaria os projetos regionais como apoia o Fumaça?
PMS >
Depende muito da comunidade e depende da proposta e como esse formato responde às pessoas. Conheço bons exemplos: o Sul Informação e o Médio Tejo. Dependendo do que há para oferecer – informação credível – as pessoas reconhecem isso. Se isso chega para tornar viável o projeto? É como o Fumaça, também não sei se conseguiremos ser financiados ser 100% por quem nos ouve e vê, mas há dois anos não esperaríamos estar aqui. Neste momento há 1000 pessoas que todos os meses dão 1 euro, 2 euros, 100 euros… temos o objetivo de o Fumaça ser um projeto financiado diretamente pelas pessoas e já esteve mais longe de acontecer. Dependendo dos meses, 30 a 40% dos nossos gastos são pagos diretamente pelas pessoas. E as pessoas não nos estão a comprar nada. As pessoas apoiam-nos porque querem que continuemos a trabalhar e acreditam no que fazemos. Por isso não temos medo de explorar formatos, ideias e formas novas de contar histórias.

RC > Como olha para a relação do poder autárquico e dos jornalismo regional? 
PMS >
Vejo com preocupação: primeiro porque compreendo que é muito difícil trabalhar em meios pequenos, com poucas pessoas, e encontrar um equilíbrio entre as relações institucionais e o acesso as fontes para conseguir trabalhar. Em segundo lugar, é preciso que essa tentativa de cordialidade e civilidade nunca passe disso mesmo para uma coisa que seja o medo ou a bajulação do poder político. Sobretudo que não se perca a coragem de fazer o trabalho que tem de ser feito, e conhecendo a mentalidade da grande parte dos nossos dirigentes políticos locais e regionais, para eles vai ser sempre um ataque e uma coisa muita dura fazer uma reportagem qualquer em que se lhes pergunta o que fizeram com o nosso dinheiro ou por que tomaram determinada decisão. Tenho plena consciência que é muito difícil trabalhar e liderar projetos a uma escala mais pequena. Eu próprio não sei se o conseguiria fazer: é muito difícil esse equilíbrio e é por isso que também respeito tanto os projetos de informação local e regional onde sinto que não há essa cedência e esse medo e eles não só papagaios do poder. 

RC > Ainda se sente parte de uma “geração à rasca”? 
PMS >
Totalmente. Se pensar que provavelmente faço parte da primeira geração que vai viver pior que os pais. Vivemos num modelo económico sustentado em baixos salários, em precariedade, e uma sociedade não se constrói assim. 

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