A República Portuguesa decapitou a sua tropa operária acusando-a de “agitação social e greves”, os artesãos da carbonária, os operários de Alcântara, para finalmente parte das suas frações se reorganizarem em torno do Estado Novo e, aí sim, criarem uma coisa e o seu contrário — os monopólios e o proletariado, que saiu das Beiras para a Lisnave, da aldeia nativa para a plantações da Cotonang em Angola.
Devido à expropriação de bens públicos, ao aumento dos impostos sobre terras e propriedade, à gradual privatização das propriedades comunais, ao fim de leis como a do morgadio (que transmitia a herança exclusivamente ao primogénito), foi sendo criado um contingente de trabalhadores assalariados e um processo típico de acumulação primitiva estava assim em marcha — em marcha literalmente, porque estes processos foram acompanhados de milícias e exércitos na frente do título de propriedade, de baioneta e pique na mão – as revoluções burguesas são violentas. O século XIX decorre entre guerras civis, revoltas e mesmo guerrilhas — invasões francesas, a guerra civil entre liberais e miguelistas, a Maria da Fonte, a Patuleia, o Remexido, até à Janeirinha em 1868 — que, com direções distintas e complexas alianças, num processo que está longe de ser linear tinham sempre como eixo, por um lado, a concentração da propriedade e, por outro, a proletarização de setores significativos da população. A par destes movimentos cria-se, é sabido, a nação, o ser português, e a sua instituição-mor, o Estado, um administrador comum que procura estender o seu poder militar e fiscal a todo o território, gerir as diversas frações da classe dominante e disciplinar a força de trabalho. Há quase 5 milhões de portugueses hoje que vivem-do-seu-salário. Pese embora fórmulas mistas persistirem, como o pequeno empresário, a esmagadora maioria dos portugueses é trabalhador e é exclusivamente do trabalho que vive.