Quando saí pela primeira vez do abrigo da serra dos Candeeiros para entrar no Colégio, lá longe, em Leiria, percebi que nenhuma das minhas novas amigas colocava na folha de desenho um horizonte de serra, nem uma cadeia de colinas, nem o sol a nascer por entre dois outeiros simétricos.
Lá, no colégio, partilhava quarto com uma menina da Nazaré, que nas suas folhas desenhava o mar, um barco ocasional, e o pôr-do-sol.
As alunas de fora não faziam coincidir o sol, no seu nascente e poente com a serra e o mar, como fazíamos e como continuam a fazer as crianças da nossa terra, mesmo desconhecendo que antes de si já os pais, tios e avós, também tinham desenhado nos cadernos ou nas tábuas de ardósia essas mesmas imagens que são, afinal, o nosso território comum.
Quem nasceu e viveu no sopé de uma serra, sobretudo de uma formação tão intensamente presente como as nossas de Aire e Candeeiros, dificilmente abandona essa imagem imponente, constante, segura e, ao mesmo tempo, acolhedora, que nos indica o nosso lugar, quando não o limite do nosso horizonte…
Tal como a maioria dos leitores deste Região de Cister, nasci entre duas perspectivas tão poderosas como são a serra e o mar. Estou mesmo convencida que uma boa parte da nossa natureza comum advém do facto de termos um horizonte feito de mar, que nos convoca, permanentemente, à descoberta e à partida, e de serra, que nos prende e nos protege e promete uma firmeza imperecível. Esta lembrança dos desenhos da infância, remeteu-me para a nossa identidade, de habitantes de Cister, das terras dispostas entre o nascer do sol nas serranias e o ocaso no mar sem fim, e para a certeza de que são elas que atraem sempre a minha saudade, mesmo se na lonjura, como no poema de Goethe.