Dias depois de ter tomado posse para um segundo mandato à frente da reitoria da universidade de Coimbra, Amílcar Falcão recorda, em entrevista exclusiva ao REGIÃO DE CISTER, os tempos que passou em Alcobaça, antecipa os desafios para os próximos quatro anos e revela a sua visão para o ensino superior em Alcobaça.
Este conteúdo é apenas para assinantes
REGIÃO DE CISTER (RC) > Nasceu na Nazaré, cresceu em Alcobaça. Prefere ser chamado de nazareno ou de alcobacense?
AMÍLCAR FALCÃO (AF) > Sou alcobacense. Só fui nascer à Nazaré, como tantas outras pessoas da minha geração. Em Alcobaça, à data, não havia esse serviço e portanto a maior parte dos nascimentos acontecia no Hospital do Sítio. Sou nazareno nesse sentido, não desgosto da ideia de ser nazareno, mas a verdade é que passei a minha infância e adolescência em Alcobaça.
RC > Que memórias guarda desses tempos?
AF > As melhores. Quando agora vou a Alcobaça ou à Nazaré quase já não reconheço ninguém. Quando era jovem eram terras mais pequenas, diria mais acolhedoras. Mas, tenho amigos de infância com quem ainda mantenho relações. Só saí de Alcobaça quando entrei na universidade em Coimbra. Depois já não voltei. Fiz o curso, fiquei na carreira académica, tive um período fora do País a fazer doutoramento e quando voltei vivi em Coimbra uns 15 anos e depois fui para Cantanhede, onde resido. Os meus pais não eram de Alcobaça, a minha mãe foi professora na escola primária da Vestiaria, onde fiz a escola primária. Não tinham raízes em Alcobaça e, quando eles faleceram, deixei de ter a ligação familiar a Alcobaça, nesse sentido. Mas gostei de andar na escola em Alcobaça, de praticar desporto em Alcobaça: pratiquei futebol, andebol e ténis. Jogo ténis desde os 8 anos e comecei a jogar em Alcobaça. Até ir para a universidade era um dos melhores jogadores. E joguei também andebol…
RC > Ganhou-se um vice-campeão de padel e perdeu-se um grande andebolista?
AF > Não se perdeu um grande andebolista, era razoavelmente bom. Acabei a minha carreira de andebol na 1.ª Divisão Nacional na Académica. Antes disso, tinha jogado em Leiria no Sismaria e em Alcobaça. Durante o período do curso, joguei na Associação Académica de Coimbra. A região de Alcobaça é muito agradável para se viver e para se crescer. Cheguei a ir com os meus colegas para a pesca submarina para a praia da Légua e para o surf em Peniche. Fazíamos também a ‘volta dos 45’ de bicicleta: saíamos de Alcobaça em direção à Nazaré e São Martinho do Porto, ou vice-versa, e regressávamos a Alcobaça. São 45 quilómetros, fazíamos isso muitas vezes. Saíamos de manhã, íamos à praia, tomávamos banho, jogávamos à bola e seguíamos para a outra praia. Foram tempos muito bem passados.
RC > O Amílcar que fazia a “volta dos 45”, que dava nas vistas no ténis e no andebol tornar-se-ia reitor da Universidade de Coimbra. O que isso significa para si?
AF > Faço parte do grupo de pessoas que chegou a reitor sem nunca na vida ter pensado em ser reitor. Fiz uma carreira académica muito rápida, fui cedo catedrático e depois fui convidado por um reitor, Fernando Seabra Santos, para assumir funções de diretor na Faculdade de Farmácia. Antes disso já tinha assumido algumas funções na faculdade e depois disso integrei o Conselho Geral da Universidade. O reitor que veio a seguir, o professor João Gabriel Silva, convidou-me para ser vice-reitor. Passei a ser o número 2 durante oito anos. Depois fui eleito reitor e já completei 12 anos na reitoria. Agora iniciei o segundo mandato e, se tiver saúde, vou até aos 16 anos. Obviamente que é um grande orgulho ser reitor da Universidade de Coimbra, mas também é uma grande responsabilidade. A Universidade de Coimbra é muito maior do que as pessoas pensam e tem uma visibilidade e um alcance muito grande. Coimbra tem uma universidade de referência a nível mundial.
RC > Mas as motivações para um segundo mandato são diferentes…
AF > Quando fui vice-reitor e acabou o mandato do reitor anterior apareceram muitos candidatos e curiosamente ninguém da equipa reitoral. Entendi que alguém da equipa reitoral devia dar continuidade ao trabalho do professor João Gabriel Silva e avancei. Avancei na desportiva. Deu-se o caso que ganhei. Passei quatro anos como reitor, mas tive um mandato de fazer perder a paciência a qualquer um. A pandemia, a guerra, tive a infelicidade de ver falecer um presidente da Associação Académica de Coimbra… houve momentos muito complicados. Quatro anos parece muito tempo – e eu também considero muito tempo –, mas num ambiente como a Universidade de Coimbra – uma casa que tem 733 anos – quatro anos é só um bocadinho de tempo. A minha recandidatura foi mais ou menos natural, as pessoas estavam à espera. Estes quatro anos, se tudo correr bem, vão permitir colher os frutos do muito trabalho que se fez nos últimos quatro anos. Avançámos muito na transição digital, praticamente não usamos papel. Criámos uma plataforma própria para aulas e reuniões. A desmaterialização deu-nos uma produtividade muito grande.
RC > Qual o envolvimento da Universidade de Coimbra no PRR?
AF > É grande. Temos, em números redondos, no PRR uns 80 milhões de euros. Temos 45 milhões em agendas mobilizadoras, temos mais 16,5 milhões nos programas de Impulso Jovens Steam e Impulso Adulto, mais uns 14 milhões em residências e mais uns “trocos” em eficiência energética. O problema de ter 80 milhões, é saber como se executam. Quando entrei no primeiro mandato tínhamos 180 milhões em projetos, agora temos 360 milhões, já contando com o PRR. É uma execução enorme, que tem de ser feita nos próximos quatro anos. Já aumentámos os recursos humanos, mas não os vamos aumentar na proporção do volume de financiamento. Voltaremos à base daqui a quatro anos. Agora é aproveitar a oportunidade e executar o melhor possível.
RC > Quando Gonçalves Sapinho manifestou interesse em instalar o ensino superior em Alcobaça, falou com a Universidade de Coimbra. Enquanto alcobacense, teria feito o mesmo?
AF > É difícil responder, porque eram outros tempos. Ter o ensino superior no sentido que as pessoas normalmente querem em Alcobaça, julgo que não faz sentido. O ensino superior vai muito além de ter cursos, licenciaturas e coisas do género. Ter o ensino superior, no sentido em que estamos a trabalhar em Alcobaça, tem todo o interesse. Normalmente as pessoas associam o ensino superior às licenciaturas, isso é uma pulverização que não faz sentido. No ano passado, criámos o campus da Figueira da Foz, mas de Coimbra à Figueira da Foz são 40 minutos. Alcobaça não é assim tão perto… não é fácil deslocalizar pessoas para Alcobaça. Temos duas pessoas a trabalhar no Cesuca, temos atividade letiva, mas é residual porque não temos capacidade para mais. Não é fácil e nem é desejável. Sei que os autarcas tendencialmente querem ter ensino superior na sua terra. Mas, quando vamos para a universidade temos de ganhar mundo, até o próprio nome ‘universe’ diz isso. Não é a melhor ideia do mundo a pessoa nascer num sítio, fazer a escola primária e o ensino secundário nesse sítio e licenciar-se nesse local. É bom sair da casa dos pais, passar por experiências diferentes, ter novos amigos… o ensino superior, e as universidades em particular, servem para isso. Não obstante ter feito a carreira académica em Coimbra, também saí do País. E isso fez-me bem. Não critico a atitude que Gonçalves Sapinho teve, porque tinha um professor de Alcobaça, da Faculdade de Economia, que no fundo era o dinamizador da história. É como eu agora, reitor da Universidade de Coimbra e alcobacense, chegar a Alcobaça e perguntar se não querem o ensino superior, se calhar queriam.
RC > O presidente da Câmara já afirmou diversas vezes que a estratégia do ensino superior é com a Universidade de Coimbra. Afinal, o que a Universidade de Coimbra vê em Alcobaça?
AF > Alcobaça é uma região muito atrativa para a Universidade de Coimbra, e não falo como alcobacense. Os meus estados de alma não se misturam. A região Oeste é um laboratório vivo para a área agroalimentar e poder ter investigação dessa em Alcobaça é fundamental. Temos de ter uma boa presença em Alcobaça na captação de público jovem para a Universidade de Coimbra, na divulgação de ciência, e depois ter a capacidade de levar para Alcobaça alguns cursos, mestrados, doutoramentos, que permitam resolver problemas de empresas, autarquia. É nessa perspetiva que vejo o polo de Alcobaça muito interessante. Temos um espaço em Alcobaça para fazer crescer iniciativas do ensino superior, agora não há massa crítica em Alcobaça que nos permita ter…
RC > … licenciaturas?
AF > Vamos lá ver. O ensino superior está a mudar muito rapidamente. Já há licenciaturas online em Portugal. O conceito de grau académico, de ensino superior, é muito dinâmico. Temos de olhar para Alcobaça com vontade de colaborar, de fazer parte da solução e não do problema. Uma licenciatura não se cria de um dia para o outro, necessita de ter um corpo docente específico. Uma licenciatura de três anos necessita de ter entre 12 a 15 professores. Para se rentabilizar não pode ser para 20 alunos. Há uma componente de gestão que tem de ser vista. Uma coisa é ter licenciaturas para 100 ou 200 alunos, num local onde estamos todos, outra coisa é ter licenciaturas num sítio qualquer, onde a certa altura, a massa crítica não justifica. Isso não quer dizer que isso não evolua para contextos remotos ou híbridos. Alcobaça pode perfeitamente receber esse conceito. As melhores universidades do mundo focam-se em ensino avançado. A licenciatura não é um ensino avançado, já é um ensino básico no âmbito do ensino superior. Temos licenciaturas em Coimbra porque temos de chamar jovens para o resto. O nosso foco é em mestrados e em doutoramentos. Na área agroalimentar, nesse sentido, Alcobaça pode ter uma palavra a dizer.
RC > Não teme que o IPL considere uma intrusão no território a intervenção da Universidade de Coimbra, em Alcobaça?
AF > Não. Não fui eu que criei o Cesuca em Alcobaça, já foi criado há 20 e tal anos e nessa data o Politécnico de Leiria não tinha as condições que hoje tem. O Politécnico de Leiria também foi fazer uma escola do mar a Peniche… e que eu saiba a Universidade Nova também anda a rondar Alcobaça. Vou dar o exemplo da Figueira da Foz: havia três grandes candidatos à Câmara, que vieram falar comigo antes das eleições e eu disse o mesmo aos três: a Figueira tem interesse para Coimbra, por causa do mar, mas há algo que quero deixar claro: se a Universidade de Coimbra fizer um movimento de ir para a Figueira da Foz, a Universidade de Coimbra é a universidade que vai para a Figueira da Foz, isto não é um albergue espanhol. Não é uns dias vai para Universidade de Coimbra, noutros dias vai para Aveiro, outros para Leiria… Isso não. Se, para mim, fosse muito claro, que não é, que Alcobaça queria muito a Universidade de Coimbra… Mas umas vezes quer a Universidade de Coimbra, depois venho a saber por outros canais que contactou a Nova, depois sei por outros canais que contactou Leiria… assim não dá muita confiança.
RC > E se fosse claro, a atitude era outra?
AF > Era capaz…