O desporto e a atividade física são das principais premissas da missão que o Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria) desempenha diariamente junto dos utentes. Desde andebol, natação, hidroginástica, cicloturismo, boccia e todo o tipo de atividade física, são vários os momentos em que se junta o exercício físico à inclusão (e à diversão).
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“No Ceeria, a atividade física não é (nem deve ser) apenas um simples elemento de competição, mas sim um meio de capacitação e inclusão, um veículo de contacto social e um estímulo para desenvolver várias capacidades, melhorando a integração social dos utentes e, essencialmente, contrariando a inatividade e fraca iniciativa observada frequentemente na pessoa com deficiência”, começou por explicar a diretora geral técnica da instituição, Ana Helena Rodrigues, ao REGIÃO DE CISTER.
Até porque, complementou Rafael Tereso, monitor das atividades desportivas, “não existem deficientes ou incapazes”. “Existem pessoas com mais ou menos capacidades, que precisam de mais ou menos capacitação em áreas específicas do seu desenvolvimento”, sublinhou, salientando que “o desporto é, e tem sido, uma dessas ‘armas’ de capacitação”.
Combater o sedentarismo, proporcionar aos utentes a oportunidade de realizar atividades diferentes – algumas delas nunca por eles vivenciadas –, aumentar os níveis de autoestima, segurança interna e desenvolvimento pessoal, permitir a participação de pessoas com deficiência na comunidade desportiva e promover a autonomia e independência em contexto externo são as linhas orientadoras da instituição, acrescentou a diretora geral técnica, que vê no desporto uma ferramenta crucial.
É por estas razões que no Projeto Individual de Inclusão (PII), o CEERIA procura que todos os utentes frequentem, pelo menos, uma atividade desportiva. “Cada utente tem o seu plano individual de treino de acordo com a avaliação física efetuada, sendo que esta é monitorizada regularmente e adaptada ao contexto de cada um”, esclareceu a responsável.
E a verdade é que a receita tem sido um verdadeiro sucesso, uma vez que tem saído fortalecido o espírito de equipa e de cooperação, a autosuperação e a melhoria na saúde de cada “desportista”. Se a isto se juntar o reconhecimento das competências de cada utente, especialmente em competições, tanto melhor, referiu ainda Ana Helena Rodrigues.
No Ceeria, o desporto e a atividade física estão presentes de segunda-feira a sexta-feira, de manhã e de tarde, estando a cargo de Rafael Tereso, Ana Maria Mateus e Samuel Ribeiro, os responsáveis por dinamizarem as sessões. A natação é a atividade mais participada, com 27 utentes, seguindo-se o andebol, com 17, o boccia, com 9, a hidroginástica, com 7, e o cicloturismo, com 4.
No horizonte estão o desenvolvimento de mais atividades em equipamentos comunitários, a divulgação e a formação das modalidades de boccia e de andebol nos Agrupamentos de Escolas de Cister, da Benedita, de São Martinho do Porto e de Porto de Mós, bem como a aposta em atividades desportivas que promovam a interação entre utentes e colaboradores.
Até porque praticar desporto e fazer atividade física pode (e deve) ser (o) mesmo para todos, independentemente da condição de cada um. Não nascemos todos iguais, mas podemos ser todos iguais. Pelo menos na igualdade de oportunidades. A de ser feliz, no caso.
Os sonhos não têm limites para quem ousa desafiar a superação
“Mais para a esquerda, não tanto, vai mais um bocadinho para a direita, um passo atrás.Força, encesta!”. São as indicações que o monitor Samuel Ribeiro vai dando a David Almeida, um dos craques do basquetebol do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria), que é invisual e que sofre também de hemiparesia direita. Parece difícil imaginar, mas, caro leitor, vimo-lo ‘in loco’.
A situação de deficiência de que padece não lhe tolda a forma como encara o futuro. “Gostava muito de ser jogador de basquetebol internacional”, atirou ao REGIÃO DE CISTER, de imediato, o jogador que integrou o Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão (CACI) do Ceeria há sete anos. “É um sonho”, disse o jogador, natural do Chão da Parada, localidade em Caldas da Rainha, que costuma participar em competições e que tem o português Cristiano Ronaldo como referência. “A superação dele é um exemplo”, confessa, num tom muito assertivo, aludindo também aos milhões que o futebolista ganha.
No caso de David, os milhões podiam perfeitamente traduzir-se numa carreira internacional. “Só tinha de levar a minha família e a minha Bia [namorada]. Deles não abdico”, garantiu o jovem, que completou o ensino regular até ao 9.º ano com o apoio do ensino especial.
Sempre atento a tudo o que se passa em redor, foi quando falámos na eventualidade de existirem Jogos Paralímpicos de basquetebol para invisuais que houve um novo sorriso. “Rafa, será que dava?” perguntou, de imediato, a um dos três monitores presentes. Se o conseguiria, ninguém sabe, mas a julgar pela ambição que demonstrou, não seria, por certo, de admirar que o conseguisse. Até porque, como o próprio diz sem medo de ser mal interpretado, é “um craque do basquetebol”.
A vida, por vezes, coloca desafios enormes no caminho de cada ser humano, desafios esses que, em alguns casos, são pedras (daquelas grandes). Mas sonhar permite-nos imaginar tudo aquilo que gostaríamos ou temos o sonho de ser. Sem limites e sem barreiras. Foi precisamente esse o desafio que o REGIÃO DE CISTER lançou aos desportistas do Ceeria. “Se tivesse oportunidade de concretizar um sonho, qual seria?”
“Gostava muito de ser andebolista” contava Carolina Ribeira, utente que tem deficiência intelectual ligeira e que tem uma verdadeira veia goleadora. “Gosto muito mais de marcar golos do que defender”, notou a atleta, de 23 anos, que é sempre uma das jogadoras em destaque quando a atividade do dia do CACI é… andebol. “Perder é que não”, fez questão de acrescentar, sempre bem-disposta, o que não acontece quando a sua equipa perde.
Questionada sobre a possibilidade de se afastar da família para ser andebolista no estrangeiro, a utente do CACI desde 2017 respondeu afirmativamente, dando logo conta de que Paris (França) – soltando um sorriso de orelha a orelha – poderia ser o destino, ou não fosse a capital francesa ser um dos sítios que mais quer visitar. Sobre o apoio nesta paixão pelo andebol, a alcobacense destaca a mãe, mas também todos os monitores do Ceeria.
Além do andebol, a também escuteira gosta de praticar stand up paddle e ténis, mas o andebol, e o seu “Cister”, são, como orgulhosamente mostrou, as maiores paixões.
No caso de Ulisses Sousa, o sonho da natação está bem vivo, não fosse o nadador, de 36 anos, já ter arrecadado mais de uma dezena de pódios em provas de natação. O mais importante, recordou, foi em Santa Maria da Feira, em que conquistou a medalha de prata. Habituado a entrevistas – admitiu já ter sido protagonista de duas –, o calvariense é dono de uma personalidade única – ora solta uma piada, ora solta um desabafo de desagrado –, mas não é defeito, é feitio. E é graças ao seu feitio, de perseverança, que tem sido um dos porta-estandartes do Ceeria em provas de Norte a Sul do País. Pior mesmo, corroborando as palavras de Carolina Ribeira, é quando não consegue os seus objetivos.
Ulisses Sousa tem Síndrome de Down, o que não o impede (em nada) de sonhar com vitórias, muitas vitórias. É, por isso, que é o único utente da instituição que tem treinos de natação duas vezes por semana. Com medo de não ser suficiente, no verão vai também fazer os treinos no mar. É que Ulisses sente-se bem é dentro de água. A nadar ou a competir em provas de remo indoor, onde também “dá cartas”.
Ainda assim, a natação é a modalidade que o apaixona desde muito jovem e que, ao longo dos 27 anos em que integra o CACI, tem sido um forte contributo para se sentir realizado. Falta-lhe, mas vai certamente conseguir, subir ao mais alto lugar do pódio (único que ainda não conseguiu) e, quem sabe, treinar para tentar ser um dos representantes do País numa edição dos Jogos Paralímpicos. Paris’2024 está na forja…
Mais reservado, mas de trato tão requintado quanto desarmante, Pedro Mateus foi o último dos craques do Ceeria a dar voz à sua modalidade de eleição: o boccia. O turquelense, de 46 anos, é o representante máximo da instituição na modalidade e não se deixa afetar pela deficiência intelectual moderada, nem pela hemiparesia esquerda (sequela de um AVC), para levar os seus intentos avante – é um participante assíduo de torneios de boccia, provas em que interage com utentes de outras instituições.
Foi então que o REGIÃO DE CISTER colocou o cenário de ser jogador a um nível mais elevado e obteve a resposta mais sincera de todas: “Não! A não ser que seja em Turquel”. É que Pedro Mateus, que integra o Ceeria há 27 anos, é um fervoroso adepto do HC Turquel (como a fotografia demonstra), e nunca falta a um jogo do clube do coração, quando acontece na aldeia do hóquei. Em tom de curiosidade, perguntámos quem é o seu jogador de eleição, ao que Pedro Mateus, de pronto, respondeu: “O Vasco [Luís]”. Daí em diante o pensamento foi rápido. “E se pudesse ser o ‘Vasco Luís’ (apenas representou o HC Turquel na carreira) do boccia?”. “Gostava muito”, atirou, com conta, peso e medida, Pedro Mateus “filho de Deus”, como é carinhosamente conhecido.
Sabem qual é a boa notícia David, Carolina, Ulisses e Pedro? É que serem atletas de basquetebol, de andebol, de natação ou de boccia é apenas uma pequena parte do que já são, a outra (a maior de todas) é a de serem exemplos de superação. E o certo é que conquistam essa prova todos os dias (com distinção). O resto é, e será sempre, apenas a confirmação disso mesmo.