Ainda antes de ter sido eleito, Putin já estava eleito, o que levou o Presidente do Parlamento Europeu, Charles Michel, a, antecipadamente, o “felicitar” pela sua esmagadora vitória. Na verdade, as vitórias de Putin são feitas de esmagamentos: todos os adversários apagados do mundo dos vivos confirmam a completa falta de escrúpulos deste crápula, quintessência do populismo mais sanguinário dos tempos modernos. Antes de admitir nada mais do que uma “intervenção especial na Ucrânia”, sempre esteve em guerra com a Ucrânia, bem antes de 2014. No entanto, foi preciso o hediondo atentado de Moscovo, para admitir a evidência: está em guerra com a Ucrânia. E que novo facto motivou esta assunção? Nenhum; apenas um devaneio e uma tese conveniente: os “neonazis ucranianos”, mais do que o Daesh, são, para Putin e a sua camarilha mais chegada, a verdadeira encarnação do mal, o perigo maior à existência da Rússia, não desta, mas de um Rússia ainda maior, imperialista, que reponha e alargue as fronteiras da era soviética. Por isso, a grande Ucrânia não pode ser independente. A validação desta tese teve uma confirmação promissora, mas dramática, na Crimeia, anexada perante a passividade e a cumplicidade do ocidente, numa altura em que a própria Ucrânia se sentia desorientada com uma série de acontecimentos – que tiveram o seu clímax, em 2014, no/a “Euromaidan”. Há, porém, um acontecimento incrível nesta sucessão de eventos: foi um “Presidente”, destituído e exilado (Yanukovych, testa de ferro dos interesses russófilos), quem solicitou e “legitimou”, a intervenção russa na Crimeia e, subsequentemente, no Donbass.
Depois, foi o que se viu: invasão massiva, acreditando numa vitória-relâmpago, valas comuns, destruição de infraestruturas de energia, educação, transporte, o uso de misseis hipersónicos contra populações civis, no contexto de uma teoria de guerra que se carateriza por uma extrema impiedade. Foi esta teoria e prática quer trouxe o Daesh à Rússia, ajustando contas que começaram, de modo terrorista, na Chechénia, na Síria e em outros meridianos. Mas há mais casos que afinam por este meridiano. A linguagem da barbárie sempre foi a que se ouviu mais alto na história do homem. Porém, não há terrorismos bons: nem na Ucrânia, nem em Moscovo, nem na Síria, nem em Gaza. Nem em lugar algum. Atos nefandos criam memória e, ainda que mal, haverá sempre gente disposta a morrer por vingança – sobretudo aqueles que pouco têm a defender.