Aqui chegados, acrescento uma nota de esperança na responsabilidade de cada um de nós e na possibilidade da escuta para absorvermos e interpretarmos o que nos rodeia e quem nos rodeia.
Susana Santos
Há quem consiga ouvir muito bem e não escutar nada e quem, mesmo surdo, seja capaz de entender todos os barulhos do mundo. Beethoven escreveu algumas das suas mais belas partituras já sem audição.
Tinha captado e guardado dentro de si as escalas musicais que lhe permitiriam, durante anos, continuar a criar e a compor algumas das mais belas sinfonias de sempre.
Falo de um compositor por se adaptar melhor ao tema com que preencho a “responsabilidade social” desta semana, que é o do nosso dever de ouvir.
É nossa responsabilidade escutar quem nos rodeia, e para isso é preciso sabermos calar a nossa voz e captar e guardar, como Beethoven, as escalas de pensamento dos demais, seja ouvindo, seja lendo, seja observando a partir do silêncio interior, sem juízos e sem preconceitos.
Vivemos imersos na era do ruído, tanto que ninguém parece ter capacidade de ouvir o outro e muito menos de entender o que se passa à sua volta.
Tudo o que é relevante está, como advertiu Aldous Huxley no seu “Admirável mundo novo”, afogado num mar de irrelevâncias porque o apetite dos humanos pelas distrações parece ser quase infinito.
Ora, as distrações são justamente a razão da nossa surdez coletiva.
Se a elas acrescentarmos um ego sedento de validação e um algoritmo capaz de o alimentar permanentemente, encontramos, talvez, a receita para esta alienação coletiva.
Aqui chegados, acrescento uma nota de esperança na responsabilidade de cada um de nós e na possibilidade da escuta para absorvermos e interpretarmos o que nos rodeia e quem nos rodeia.
De selecionarmos opiniões esclarecidas e de as distinguirmos das convicções pouco informadas. E, sobretudo, esperança na nossa capacidade de ouvir, ouvir muito, para depois, e só depois, compormos a nossa própria melodia.