deixem os cenários e os artifícios, deixem os telemóveis e os écrans e saboreiem, dancem, aplaudam e levantem-se só quando vos apetecer
Susana Santos
Estamos na época dos casamentos, das festas e dos festivais. Há duas décadas estes eventos tinham, quando muito, um fotógrafo contratado para uma reportagem, cujas provas, depois de conferidas, nos haveriam de trazer, por correio, uma ou duas fotografias, que depois colocávamos num álbum de recordações. Essas recordações, servem para reviver momentos que ficaram gravados porque os vivemos intensamente.
Hoje todos temos uma câmara, que é também uma lanterna, no fundo do braço. É já através dela que vemos o que vivemos e já não precisamos recordar nada porque a experiência e o registo se confundem. Os concertos não se ouvem, gravam-se. As festas são uma sucessão de poses para a fotografia e para os vídeos e os casamentos estão cheios de momentos e de cenários instagramáveis, dentro dos quais os convidados servem simultaneamente de repórteres e de figurantes. Todos, desde os noivos às bandas, passando pelos bolos e pelas mesas, existem para serem multiplicados pelas lentes, ao invés de serem fruídos pelos presentes. Porque os presentes só estarão presentes no futuro, quando visualizarem as recordações do que não viveram. Porque já não se brinda para celebrar mas para fotografar, já não se corta o bolo pelo prazer de o degustar, nem se ilumina a mesa com velas ou fogos pelo encantamento da luz, mas porque proporcionam enquadramentos bonitos.
O repto é, portanto, para quem participa ou organiza uma destas festas: deixem os cenários e os artifícios, deixem os telemóveis e os écrans e saboreiem, dancem, aplaudam e levantem-se só quando vos apetecer. Se assim for, e se dessa ocasião virem depois uma imagem, ela servirá para convocar sensações e não apenas cenários.