Só para o vento é que não encontrei ainda um refúgio, terei de aguentar. Para o vento e para os ventos de mudança que sinto aproximarem-se, trazendo, como sempre, a incerteza e o medo.
Susana Santos
Sempre que uma onda de calor assola o país, há um pequeno paraíso que se protege debaixo de uma abóbada de nevoeiro. Aqui, em São Martinho do Porto, só há sol quando o resto do território está com temperaturas amenas. Sempre gostei desta imagem de escudo diáfano, simultaneamente frágil e, ao mesmo tempo, eficaz contra os excessos.
Esta semana, enquanto a maioria da população se tenta refugiar de temperaturas extremas, nunca vistas nesta altura do ano, eu sento-me, ao meio-dia, numa esplanada em frente ao mar, com uma reconfortante brisa que vem da baía.
No inverno acontece o mesmo, sempre que o termómetro desce para níveis insuportáveis, o mar, aqui ao lado, não o deixa atingir graus negativos.
Só para o vento é que não encontrei ainda um refúgio, terei de aguentar. Para o vento e para os ventos de mudança que sinto aproximarem-se, trazendo, como sempre, a incerteza e o medo.
E como reagem as pessoas quando há incerteza e medo? Algumas fogem ou paralisam, outras procuram navegar a dubiez, desbravando o desconhecido com atenção e cuidado. Outras ainda, as que mais me assustam, fazem-no com agressividade e com violência, atacando tudo o que é desconhecido, agredindo o outro, o que vem de fora, o que é diferente. É uma reação comum, primordial, está inscrita no nosso cérebro reptiliano. Para ultrapassar estes vestígios de quando eramos animais irracionais temos de nos armar das nossas melhores ferramentas humanas, como a bondade, a tolerância, a empatia.
Quem me dera que os humanos tivéssemos uma campânula protetora contra a irracionalidade e a barbárie, como São Martinho tem contra a canícula, como São Martinho tem contra os excessos, como São Martinho tem contra os extremos. Quem me dera que, como São Martinho, usássemos a espada apenas para dividir a nossa capa em duas.