Empresário e estreante na política, o candidato do PS à Câmara de Porto de Mós promete romper com o passado e apostar numa visão de futuro assente no eixo da mobilidade.
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REGIÃO DE CISTER (RC) > A escolha do seu nome acabou por ser feita ao nível da distrital, após a concelhia não conseguir uma solução. Sentiu algum peso ou hesitação ao aceitar esta candidatura nestas circunstâncias?
FERNANDO GOMES (FG) > Solução havia, viável é que talvez não. Havia vontades, mas as pessoas que quisessem dar o passo em frente estavam reticentes derivado à conjuntura atual. Grande parte devido ao crescimento do Chega e depois pelo facto de ser a terceira candidatura do presidente da Câmara do PSD. A conjuntura não era a mais favorável. Quem se candidataria teria de ser alguém que tivesse plena vontade e consciência das dificuldades que iria enfrentar. E, por norma, as pessoas dão o passo em frente quando têm consciência que tem grandes possibilidades de ganhar. Havia pessoas que poderiam ser fortes candidatos, mas provavelmente nestas condições não seriam as mais indicadas. E, por isso, foi-me feita uma proposta, que foi aprovada por unanimidade pelos militantes. Viram em mim uma capacidade diferenciada. Fico contente por darem oportunidade a alguém que vem com vontade. E além da capacidade, vem para fazer a diferença. A minha candidatura não é contra ninguém, é uma candidatura de alguém que julga que consegue fazer melhor. Viemos para fazer a diferença. Não estou agarrado ao passado porque não pertenço ao passado. Venho por um futuro mais jovem e mais digno e com vontade de fazer.
RC > O que o motivou a dar a cara pelo partido nas próximas eleições autárquicas?
FG > É um dever cívico de quem pensa que tem capacidades de fazer melhor do que está a ser feito. O negócio nasceu para todos, mas nem todos nasceram para o negócio. Não podemos julgar ninguém por não ter capacidades, mas quem tem capacidades tem obrigação de zelar pelos interesses da comunidade. Julgo que tenho essa capacidade. Já o demonstrei através dos meus negócios e pela forma de estar na vida.
RC > É a sua primeira experiência na política. Considera isso uma desvantagem?
FG > É uma vantagem porque vou entrar num mundo novo, onde não tenho influências externas. Sou alguém que conquistou o seu espaço através de uma postura, uma forma de estar, com provas dadas. Vou tentar incutir isto na câmara, mas sem rodeios à minha volta. Não sou filho do sistema, como se costuma dizer.
RC > Que mais-valias acredita que a sua experiência empresarial traz à liderança de uma autarquia? Está preparado para lidar com essas diferenças?
FG > Não só como empresário, mas também como filho do mundo. Nasci no Canadá. Os meus avós emigraram para o Canadá nos anos 60. A minha mulher é holandesa. Tenho trabalhado, com empresas minhas, pelo mundo inteiro. Consegui ver o quão atrasados estamos e o quanto posso aproveitar da minha experiência no estrangeiro. Em Portugal, estamos muito focados no imediato. Não há estratégia futura. Quem está a comandar a câmara, não sei se por incapacidade ou por falta de conhecimento, gere no imediato. Tudo o que é apresentado ao povo é para encher o olho. Nada é planeado para o futuro. Os projetos demoram 15, 20 anos, 25 anos a dar frutos. Quem apresentar um projeto de 20 anos pode ficar em desvantagem. Mas, por tanto quererem ver o imediato há esta falta de planificação e estratégia. Não só me sinto preparado, como tenho gente que me rodeia com capacidade de fazer a diferença. As pessoas podem gerir, mas o que interessa ter alguém a administrar a saúde se não é médico? É o que acontece hoje na Câmara de Porto de Mós. Pessoas que estão a liderar, com muita vontade, digo eu, mas sem conhecimento de causa. A culpa não é delas, é de quem não arranjou pessoas à altura. Sinto-me preparado porque fui empresário em ramos totalmente diversificados. Fui empresário no Algarve na restauração e bebida, sei muito bem o que é o turismo, que é completamente desaproveitado no concelho. A minha mulher é médica, oncologista, e todos os dias me fala das reais necessidades com que se depara. Temos de colocar as pessoas nos lugares certos. O PSD de Porto de Mós, através do não planeamento da saúde, arranjou uma solução, quase dando apoio à IL, na qual os munícipes têm acesso a médicos através de um plano privado de saúde. Ou seja, não organizamos nada, não planeamos nada, mas empurrámos com os problemas para a frente. Fazemos um plano privado, os munícipes têm de pagar 25 euros para ter direito a um médico e a câmara contribui com o resto. Isto não é arranjar soluções. O estado social nem deveria permitir isto.
RC > Diz que acredita na “valorização dos recursos locais” e na “atração de investimento inteligente”. Pode dar exemplos concretos de como pretende atingir esses objetivos?
FG > Como é possível que não haja um ponto turístico numa das 7 Maravilhas de Portugal? 200 a 400 mil turistas visitam as Grutas de Mira de Aire todos os anos, só 2 a 3% ficam a dormir no concelho. Isto acontece porque não há planeamento. E temos sorte por ter a beleza natural só porque sim. Se não existisse, era degradante. Os turistas vêm quase por obrigação. Ainda bem que não ficam cá. Há ervas daninhas nos passeios com meio metro, tudo degradado e sujo. Sentir-me-ia envergonhado em ter turistas a dormir e passear em Mira de Aire. Não se aproveitam os recursos do concelho porque não há uma abordagem digna. Não há apoio camarário em prol do turismo. Não estou a dizer que deve ser a nossa maior preocupação, mas tem de ser uma delas.
RC > A reabilitação urbana é uma das áreas onde tem experiência. Que propostas tem para os centros históricos das freguesias ou para atrair habitação jovem?
FG > Como podemos trazer alguém que queira vir trabalhar para o concelho se não há mobilidade? Há um autocarro que passa às 9 e qualquer coisa em Mira de Aire e acabou. A câmara pouco ou nada faz para dar mobilidade à população. As pessoas mais velhas que vivem em São Bento não têm uma farmácia, não têm um médico, têm uma reforma miserável e têm de ir de táxi ou esperar que alguém lhes dê boleia para ir às compras ou ir ao médico a Porto de Mós. Não seria muito mais fácil ter um autocarro de hora a hora a passar em todas as freguesias para as pessoas poderem ir para lá viver? Uma das minhas grandes propostas é criar esta mobilidade. Tem de haver transportes que passem em todas as freguesias de hora a hora ou no máximo de duas em duas horas para as pessoas terem estas condições. Não me falem em orçamento. Isto não custa muito dinheiro. O orçamento vale o que vale, a vontade tem de prevalecer. Se gastarmos 2 milhões de euros numa obra que não serve para nada, esse valor daria para os transportes circularem pelas freguesias durante 10 anos. É uma questão de vontade e querer fazer. Dar mobilidade a todas as freguesias será uma das grandes apostas.
RC > A fixação de jovens é um dos grandes desafios dos territórios do interior. Como pretende tornar Porto de Mós atrativo?
FG > Os jovens têm de ter trabalho. Temos zonas industriais no concelho que não têm uma saída para uma autoestrada. Temos um projeto de autoestrada para apresentar às Estradas de Portugal, em que quem vem do sul poupa 26 minutos e quem vem do norte poupa 24 minutos. A estrada passa por Mira de Aire, pela zona industrial, São Bento e vai diretamente para a zona industrial de Porto de Mós. Isto é dar condições de acessibilidade. Se as pessoas não têm acessibilidade, vão para locais onde há. Veja-se Alcanena.
RC > Porto de Mós é um concelho com fortes assimetrias entre freguesias. Como pretende garantir uma política de coesão territorial que não esqueça as zonas mais periféricas?
FG > Deve fazer essa pergunta ao presidente da Câmara de Porto de Mós do PSD. Se há algo que aconteceu nesta presidência foi o abandono das freguesias. Tudo é feito para encher o olho. Nada é feito por necessidade das freguesias. Lembro-me de passar há 30 anos no Juncal, nas Pedreiras, em São Bento, em Mira de Aire, e está tudo igual. Sei que o eleitorado é menor em São Bento, nas Pedreiras, na Calvaria de Cima do que em Porto de Mós. Mas, nada disso nos pode levar a abandonar estas freguesias. Os orçamentos dados às freguesias são irrisórios. Apenas fazer obra onde somos representados pelo partido político também não é uma forma de estar na política. Temos de ter os mesmos direitos. Existe um bullying político. O 25 de Abril chegou a Portugal, mas não chegou a Porto de Mós. Existem muitos Salazares em Porto de Mós. As pessoas têm medo de ir contra o poder instalado. Presenciei isto porque andei a arranjar listas para as juntas. Tive uma vontade de não optar tanto pela militância, mas por serem pessoas dignas, bem-vistas e com provas dadas. Mas, quem tem provas dadas tem medo de ir contra o sistema, porque vai ser alvo de represálias a posteriori. Isto não pode acontecer. Ofereci sedes de campanha à IL e ao PSD nos meus prédios. A isto chama-se democracia. Não é por não concordar com eles que tenho de ir contra eles e tentar aniquilá-los, como o PSD tem feito. Das 10 juntas de freguesias, metade dos candidatos do PSD não são do PSD. Vai ter um candidato a presidente da Junta de São Bento que é presidente da junta pelo PS e vai andar a bater de porta em porta a pedir votos pelo PSD. Isto não é um PSD, é um PSD travestido. Não pode valer tudo na política para ganhar. Não posso aniquilar a oposição para poder comandar tudo à minha vontade. A oposição é necessária.
RC > João Salgueiro foi o único candidato do PS que ganhou as eleições para a Câmara de Porto de Mós. Sente o peso simbólico de tentar repetir o feito de João Salgueiro?
FG > Não podemos viver do passado. Muito mais do que a conjuntura em que o PS se encontra, temos de pensar no futuro. João Salgueiro foi candidato nas últimas eleições e não ganhou. As pessoas quando voltam a querer ser felizes onde já foram, por norma, são rejeitadas. Tudo tem o seu tempo. Ele voltou para querer fazer melhor, acredito, mas o povo gosta de pessoas com ideias novas. A alteração da estratégia do PS é fundamental para combater o populismo do Chega. Eles são, realmente, jovens. E em vez de ir contra eles, temos de os tentar perceber. Não acredito que 25% da população seja racista e xenófoba. Isto é uma forma estúpida de atacar o eleitorado do Chega.
RC > O que considera ser um resultado positivo para o PS nestas eleições: ganhar, aumentar representação, recuperar freguesias?
FG > A vitória. Nunca seria candidato se não achasse que ia ganhar. É a única candidatura que é válida. Não estou a dizer que a outra pessoa tenha vontade, mas não tem a mesma capacidade. Se conseguirmos chegar ao povo, dar a entender as reais necessidade e demonstrar que há propostas que fazem a diferença não existe outro caminho senão a nossa vitória. E tem de ser agora porque amanhã é sempre tarde demais.
RC > Está preparado para assumir um papel na oposição caso não vença?
FG > Serei sempre vereador da oposição. E vou fazer oposição mesmo. Não contem comigo para acordos com os quais não concordo. Penso que quem teve na oposição não foi digno, até ao momento, do que lhe foi incutido. E vou estar na oposição, se não ganhar, que duvido, com o meu dever e vou cumprir.