Quinta-feira, Abril 25, 2024
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Ao Pescador

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A Lenda do Lago

N’aquela tarde calma. Fora a pesca abundante,

Sant’António do seu nicho, assiste vigilante

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À faina. Os pescadores largam já d’amarra

E, como o mar é manso, lá vão de proa à barra

Alegremente em fila, o porto demandando.

O leme vai na orça, velozes vão passando

Na linha da “carreira “. Em frente da capela;

O Santo vai contando, um por um, vela por vela.

 

O sol é posto já. Traiçoeiro a refrescar

O vento aflige o Santo e atormenta o mar.

Toldou-se o céu também, logo a terra escureceu

E no regaço Santo, Jesus adormeceu.

Já nas ondas envergam os novelos d’espuma

Mas, na conta das velas, inda falta uma!

Nos lábios d’António, trémulos d’amargura

Alguma praga ao mar, entre as preces se mistura.

 

Um ponto branco, ao sul, lá longe entre a procela,

Traz rumo aproado, à alvura da capela.

O bom do Santo ao ver, essa asa de gaivota

Que, tão audaz procura. A linha da derrota,

Empalidece, e treme, temendo-lhe o destino.

Não se atreve porém a acordar o seu Menino.

E murmura: “Jesus, Senhor! A vaga é tão alta

E aquela vela é a mais pequena que me falta.”

 

Enquanto dura a luta, entre o mar e a vela

António nota já não ser deserta a capela.

Uma pobre mulher, nos degraus ajoelhada

Cinge contra o seio, uma cabecita dourada;

No seu ardente olhar e nos olhos da criança,

O ponto branco brilha, como um farol d’esperança

E o pescador afoito, aproa sempre a vela

Ao vulto da mulher, à brancura da capela

 

O mar redobra a fúria, é um leão rugindo

E tranquilo Jesus, no regaço vai dormindo;

Mas avistando o pano, roto já p’la rajada

A cabecita d’oiro exclama apavorada:

“Ó mãe? Ó minha mãe?

É o meu pai, que lá vem?!”

N’isto; o Menino acorda e mui mal-humorado,

O aio santo increpa, de sobrolho carregado;

“O que foi isto António?” – “Quem foi que se atreveu?”

O Santo aponta a medo, a vela, o mar, o céu.

 

Nos olhos da mulher, onde a vela é gravada

Uma lágrima… Uma pérola pendurada.

Desvairado ao vê-la, implora Sant’António:

“Senhor… fazei  bonança… O mar é um demónio…”

Jesus serenamente, do nicho então desceu,

Com a mãozita em concha, a pérola colheu,

O seu rosado braço, enérgico balança

E às ondas infernais, a humilde jóia lança.

 

Depois… Sorriu ao Santo com divino afago

E no mar, defronte da capela, fez-se o “lago”.

 

Na capela de Santo António, no alto do Facho de S. Martinho do Porto encontra-se, gravado em mal tratados azulejos, um dos mais belos poemas populares que conheço.

“A lenda do Lago” é atribuída a um pescador. Sendo anónimo, não posso saber se este homem ou esta mulher se dedicou a pescar palavras ou peixes, mas sei que terá sido um grande poeta. Também não sei se inventou a lenda ou se esta explicação para o lago, isto é, para a baía de São Matinho, lhe terá sido relatada, mas sei que esta é a história que gosto de ler aos meus filhos quando passamos por ali, pela capelinha do Santo.

Não sei se foi um milagre que criou o lago, mas sei que esta história é, pela sua singeleza, um prodígio e uma pérola a preservar.

Acredito que as lendas, os símbolos, como a própria História e todo o nosso património imaterial, são o cimento que permite fixar a nossa identidade. As narrativas do passado, sejam elas ficcionadas ou meros relatos factuais de acontecimentos pretéritos, resultam numa edificação da memória comum que também importa preservar.

A história de S. Martinho do Porto é suficientemente rica para nos orgulhar, dirão alguns. É certo, aquele porto foi doado à ordem de Cister pelo nosso primeiro Rei, logo no início da nacionalidade. Dali saíram muitas das caravelas que haveriam de nos tornar maiores, às ordens de Afonso V e do celebrado D. João II. No entanto, nenhum destes relatos nos emociona tanto como o relato do milagre, cantada por este anónimo pescador.

As pedras dos nossos monumentos, os azulejos das nossas paredes e tudo o mais que vemos e palpamos, fazem parte da nossa herança, mas não menos do que as lendas e as narrativas que provém directamente dos génios ou do génio dos que nos precederam. Se queremos continuar a ter uma identidade, uma percepção colectiva de quem somos. Se queremos, em suma, continuar a reconhecer-nos mutuamente como gente da mesma terra, devemos, também, homenagear este pescador, propagando a lenda do lago e tantas outras ao nosso redor.

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