Quarta-feira, Novembro 27, 2024
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Os condenados de Isabel

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Ninguém entrará numa prisão de livre vontade. Mas, como em tudo na vida, há sempre uma exceção à regra. É o caso da alcobacense Isabel Carolino, que desde o passado mês de outubro decidiu enfrentar os medos, fintar os estigmas e ensinar andebol a reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre. Uma tarefa que assumiu com uma única retribuição: observar, uma vez por semana, o sorriso no rosto dos seus “jogadores”, nada mais, nada menos que um grupo de matulões condenados por crimes como homicídio, assaltos ou tráfico de droga. É ela quem impõe as leis nos treinos e, como prémio pelo “bom comportamento”, organizou recentemente um “jogo-treino” com uma equipa de jovens jogadores oriundos da formação do Cister Sport Alcobaça. O REGIÃO DE CISTER assistiu ao encontro e conta-lhe a história do lado de dentro das paredes da prisão.

 

Ninguém entrará numa prisão de livre vontade. Mas, como em tudo na vida, há sempre uma exceção à regra. É o caso da alcobacense Isabel Carolino, que desde o passado mês de outubro decidiu enfrentar os medos, fintar os estigmas e ensinar andebol a reclusos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, em Alcoentre. Uma tarefa que assumiu com uma única retribuição: observar, uma vez por semana, o sorriso no rosto dos seus “jogadores”, nada mais, nada menos que um grupo de matulões condenados por crimes como homicídio, assaltos ou tráfico de droga. É ela quem impõe as leis nos treinos e, como prémio pelo “bom comportamento”, organizou recentemente um “jogo-treino” com uma equipa de jovens jogadores oriundos da formação do Cister Sport Alcobaça. O REGIÃO DE CISTER assistiu ao encontro e conta-lhe a história do lado de dentro das paredes da prisão.

Há quase três décadas ligada à modalidade, e com uma experiência recente bem sucedida a treinar utentes do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (Ceeria), a treinadora aceitou o repto que lhe foi lançado por uma amiga que trabalha no Estabelecimento Prisional para ali dirigir um treino semanal. Todas as quintas-feiras, Isabel desloca-se a Vale de Judeus e, sem receber qualquer contrapartida financeira, entra num mundo que apenas estava habituada a conhecer pelos filmes. “Não sabia muito bem o que esperar. No primeiro dia tive algum receio. Mas tudo correu dentro da normalidade de uma situação, que de normal acaba por ter pouco, e estou a gostar muito de aqui estar”, resume a treinadora, de 50 anos, que vive e respira andebol todos os dias.

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A coragem com que esta mulher de armas dá indicações aos presidiários, durante os treinos e a forma como os envolve no trabalho, não deixa ninguém indiferente. O diretor do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus aplaude. “A população prisional respeita-a muito. O grupo é homogéneo, praticamente não sofreu baixas desde o início dos treinos e isso é algo de muito saudável. Se a pessoa cativa, como é o caso, é ótimo para os reclusos”, sublinha João Paulo Gouveia, que está há três anos no cargo e foi o primeiro guarda prisional do País a chegar a diretor, depois de uma carreira feita a pulso. Antigo praticante de futebol e basquetebol federado, foi guarda prisional e licenciou-se, à noite, em Direito, e valoriza este tipo de atividades. “Se para qualquer pessoa a prática desportiva é importante, para um recluso essa importância é acrescida, pois não tem contacto com o exterior. É sempre de incentivar atividades com pessoas externas, desde que esteja assegurada a segurança”, refere o responsável, que autorizou, para satisfação do “plantel” de Isabel Carolino, a realização do jogo “mais a sério” com o Cister SA.

Em Vale de Judeus há 470 detidos a cumprir pena e 160 guardas prisionais, além de duas dezenas de funcionários. A atividade desportiva é uma constante para centenas de homens, cuja liberdade está confinada a uma cela ou a um pátio. Há ginásios nos quatro pavilhões da prisão. Joga-se futebol num campo pelado com as dimensões oficiais. Também há um professor de xadrez e outro de atletismo que se deslocam à prisão, mas Isabel é mulher e isso não a atemoriza. Pelo contrário. Sente-se “perfeitamente segura”. E revela porquê: “Expliquei-lhes, desde o primeiro dia, que a minha presença ali só fazia sentido para os ajudar. Eles perceberam a mensagem e estavam muito recetivos à presença de alguém externo”. E quanto ao facto de ser mulher? “Nunca fui assediada e para mim é tudo normal, trato-os da mesma maneira com que lido com os rapazes e raparigas que treino no Cister SA. Eles têm-me respeito e sabem o que devem fazer para que continue a trabalhar com eles”, adverte a treinadora, que até quase lhe apetecia dispensar a presença dos guardas no recinto de treino. Passou a sentir-se “ainda mais protegida” quando, um dia, lhe quiseram levar… um casaco, que só foi recuperado pela intervenção de João, um homem que, um dia, teve “de andar aos tiros para não morrer”. Quando se apercebeu do roubo do casaco, este antigo segurança do embaixador de Angola entrou em ação. “Tinha de descobrir quem tinha roubado o casaco. Fui ter com uma determinada pessoa que, depois, acabou por dizer que o tinha encontrado… Mas o negócio já estava feito para ser vendido cá dentro…”, recorda alguém que teve tudo na vida e que se deixou perder “pela ambição desmedida”. Depois de trabalhar na Embaixada de Angola, fez contactos, passou a vender droga. Fez fortuna, mas quis diversificar os negócios e abriu uma discoteca. Um erro que se revelaria fatal. Um dia, o sócio da discoteca foi raptado e pediram um resgate. João Fontes deslocou-se ao local, levou o dinheiro e também uma metralhadora. Na troca de disparos, um homem morreu, outros dois ficaram feridos. Apanhou 22 anos, cumpre pena há 6, mas contesta a ação da justiça. “Não atirei para matar, mas aconteceu. E fui condenado por muita coisa que não se provou. Em nenhum país se deviam condenar pessoas por convicção”, desabafa este antigo segurança de Estado, que tem uma filha de 27 anos a viver em Inglaterra e que deixou “lá fora” um filho com um ano e meio, que hoje vive com os avós, porque a mãe foi detida em Espanha por tráfico de droga. Sonha com o dia em que voltará a respirar liberdade, lutando todos os dias para manter-se à tona num contexto adverso. “Não tenho medo de nenhum homem, mas é difícil estar cá dentro. Temos de ter muita calma, porque um gajo pode perder-se. Somos provocados por outros presos e se respondermos só pioramos a nossa situação”, relata o ex-judoca, que se desfaz em elogios ao trabalho de Isabel. “Recebemos bem a ideia da presença da treinadora. E ela sabe manter o respeito”.

Especialista em manter a ordem é Gabriel Vaz, chefe dos guardas de Vale de Judeus, que trabalha como guarda prisional há 30 anos. Parco em palavras, abriu uma exceção para falar com o REGIÃO DE CISTER. “Eles gostam de tudo o que vem de fora, pois foge à rotina. Eles fazem por merecer a atividade e pedem-me para fazer mais vezes estas atividades. É importante haver este apoio da sociedade e ajuda à estabilidade emocional dos detidos”, assevera este guarda de cabelos grisalhos, que se habituou a trabalhar sob quatro paredes. “Gosto muito do que faço, mas ninguém vem para este serviço por vocação. Lidar com estas pessoas também me fez crescer”. Talvez seja esse também o desígnio de Isabel Carolino. Crescer ainda mais enquanto pessoa. Porque como treinadora já é a grande campeã destes atletas.

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