Carlos Ribeiro Claro, que tomou conta daquelas azenhas durante vários anos na adolescência, contou ao REGIÃO DE CISTER a história por detrás dos moinhos de água.
As azenhas que perduram em Chiqueda têm mais de 100 anos mas, muitos séculos antes, já os monges da Ordem de Cister captavam a água do Alcoa e a transportavam diretamente para a cozinha do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. E as provas ainda estão à vista. A menos de 500 metros do poço Suão, a nascente do rio Alcoa, estão as Azenhas Mãe d’Água. O conjunto de dois moinhos ganhou este nome devido à “qualidade da água se adequar melhor às necessidades dos monges”, conta Carlos Ribeiro Claro, que tomou conta daquelas azenhas durante vários anos na adolescência. “Depois de desistir do liceu, vim trabalhar para os moinhos que eram do meu pai”, conta o antigo moleiro.
Depois de o pai de Carlos Claro construir, pelas próprias mãos, uma represa junto às azenhas, a água do Alcoa ganhou “força” para fazer girar uma galga que conseguia “tocar” três mós e produzir cerca de uma tonelada de farinha de trigo ou de milho por dia. Essa farinha, explica, era depois transportada, normalmente com recurso a uma mula, por sítios tão longínquos como a freguesia do Arrimal ou até mesmo em Rio Maior.
A luz elétrica chegou a Chiqueda em 1964, mas muitos anos antes já as Azenhas Mãe d’Água produziam, também, eletricidade no edifício onde Carlos Claro nasceu.
“Sempre me lembro de ter luz elétrica em casa”, recorda o chiquedense. “A água tocava a mó que estava ligada a um dínamo com uma bateria e produzia corrente continua de 110 volts”, relembra.
O edifício das Azenhas Mãe d’Água é, atualmente, propriedade da Câmara de Alcobaça, mas foi muito devido ao esforço de Carlos Claro e de vários chiquedenses que se encontra em bom estado de restauro. Há mais de uma década, um grupo de moradores fundou a Associação de Amigos de Chiqueda, com o objetivo de “preservar o património” da terra.
Em 2005, a instituição e a autarquia assinaram um protocolo e, no ano seguinte, os amigos de Chiqueda puseram mãos à obra e, com material fornecido pela Câmara de Alcobaça, requalificaram as Azenhas Mãe d’Água. Depois deste esforço de um “pequeno grupo de pessoas que não queria ver a sua terra a morrer”, o espaço já pode receber regularmente visitas de alunos de vários pontos do concelho para “ensinar aos mais novos” como era o quotidiano do passado.
Seguindo o curso natural do rio Alcoa, chegamos ao Moinho do Canal, que ganhou este nome por estar localizado junto a um canal construído de propósito para levar a água às instalações da fábrica de tecidos de chita, que nunca chegou a laborar. Contudo, a azenha mantém-se em pé e pronta a moer trigo e milho porque o proprietário, Fernando Barros, recusa-se a deixar morrer a tradição de família e de toda uma comunidade. “Foi aqui que casei, vivi e onde nasceram os meus filhos”, orgulha-se o chiquedense. Por isso, Fernando Barros tem dedicado os últimos anos a restaurar o edifício e a preservar o mecanismo da azenha que é capaz “de fazer girar três mós ao mesmo tempo “com uma só galga”, explica o proprietário.
Já às “portas” de Alcobaça, está “escondido” o Moinho do Parente. Esta é a única azenha ainda em atividade que aplica o sistema tradicional de rodízios. “Ainda que precise de menos água para moer, este sistema tem a desvantagem de só conseguir ‘tocar’ uma mó de cada vez”, explica António Ventura, que adquiriu a propriedade em 1988. Durante a infância e adolescência, havia “o ‘bichinho’ dos moinhos”. Todos tínhamos família que estava ligada ao setor”, relembra. Por isso, há quase três décadas decidiu comprar o Moinho do Parente também para “conservar a identidade e a paisagem natural de Chiqueda”.
Fernando Barros recorda que “onde houvesse moagem não havia fome nem falta de dinheiro” para justificar a “importância” dos moinhos de Chiqueda.
Ainda assim, em meados da década de 1970 o paradigma mudou e “as pessoas deixaram de cozer o seu pão em casa”. Isto, aliado ao “aparecimento das grandes superfícies”, veio tirar força ao setor das azenhas, que chegou a empregar “uma grande parte da população” de Chiqueda, aponta o proprietário do Moinho do Canal.
Hoje em dia, o que resta das Azenhas de Chiqueda mantém-se de pé muito por “carolice” dos seus donos e pela vontade em preservar uma tradição e um legado com mais de um século. E porque a água continua a correr.