“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.”
(Álvaro de Campos, Poema em linha reta)
Se eu fosse ministro da Saúde, se, por impensável, me restasse algum tempo livre, pensaria em reescrever este poema de Álvaro de Campos, se o génio me visitasse por engano. E, tal como ele, “invejaria” aqueles que nunca erram, aqueles que sempre foram infalíveis nas suas previsões, nos seus valores, nas suas tomadas de decisão. Porque eu errei em muitos dos meus juízos passados sobre a pandemia. Eu já defendi o encerramento das escolas e a sua manutenção em estado de aberto. Eu já cheguei a pensar, como os mais espertos entre os homens, que esta coisa da covid era uma mistificação e um negócio que não justificava esta “histeria”. Porque o insustentável disto tudo é que nunca há um desmentido cabal que dê certezas aos que duvidam e que ponha em dúvida os que estão “certos”. Porque o tempo não volta para trás e não nos deixa ir por outro caminho, em oposição àquele que tomamos; porque nunca há o outro caminho, porque o ontem não se torna, nunca, amanhã.
Quando, nestes tempos de chumbo, vejo os fanfarrões do costume criticar decisões de quem não as pode deixar de tomar, apetece-me desconstruir o poema de Álvaro de Campos e chamar todos os nomes lá contidos aos sábios da sombra, aos que deixam acontecer tudo para terem sempre razão, repetindo, inutilmente, sempre a mesma sentença: “eu bem lhes disse, mas ninguém me ouviu!”
PS. Recordo com saudade o “Picão” (Fernando Branco), que dissolvia em ironia muitas das certezas dos sábios”. Até sempre.