Aliás, o que gostava mesmo era de não ter de falar da guerra, de nenhuma das guerras que o nosso pequeno e único mundo ainda consegue suportar. Gostava de poder continuar a reflectir sobre a importância de viver devagar, como fiz há um ano, na sequência de uma pandemia que nos obrigou, subitamente, a travar.
Mas não é possível porque agora estalou mais uma guerra, que parece ainda mais grave do que as outras porque está mais perto de nós. E as suas vítimas, soldados, civis e refugiados, parecem-nos ainda mais vítimas porque são mais parecidos connosco.
De repente, sentimo-nos à beira do precipício e somos tomados por uma espécie de vertigem que nos impele a agir, mesmo sabendo que podemos fazer muito pouco, ou quase nada. Uns manifestam-se pela paz, outros organizam-se para entregar ajuda hu- manitária, outros ainda mobilizam as suas forças para acolher e apoiar os refugiados.
De repente, a urgência ganhou terreno à paciência, o medo ocupou o lugar da confiança e a esperança parece ameaçada pela loucura de um autocrata e pela incerteza. E tudo parece vacilar: o nível de vida, o modo de vida e a vida, ela própria. Tudo parece incerto e relativo.
Temo que esta urgência nos impeça de continuar a investir nos demais combates das nossas vidas, como o da emergência climática e que o medo nos tolha a capacidade de valorizar a saúde, a segurança social e a educação, enquanto verdadeiros pilares da nossa democracia.
Como todos nós, tenho esperança no fim desta guerra, contudo, sinto que, mesmo depois de terminada, levaremos muitos anos a combater os fantasmas que desenterrou, a pagar as armas que nos preparamos para comprar e que, se não tivermos cuidado, poderão custar-nos não só a paz, mas a própria liberdade e os seus alicerces.
Como Antero, na sua Evolução “Interrogo o infinito e às vezes choro…/Mas esten- dendo as mãos no vácuo, adoro /E aspiro unicamente à liberdade.”