A guerra, capitaneada por políticos e seus interesses “geoestratégicos”, também é culpa nossa.
Somos nós, tal como na França de Napoleão, que acreditamos que existe uma cidade (que não é nossa) nas fronteiras das nossas cidades. Nós que glorificamos o solo, o sangue, a defesa da pátria amiga. Nos anos 90, vivemos a utopia sem fronteiras da Comunidade Europeia, um sonho que se foi desfazendo com índices económicos que legalizavam as inumanas intervenções financeiras; celebrando estatutos de exceção com quem os exigiu; procedendo a intervenções cirúrgicas que amputavam este ou aquele direito de um país “menor”, até que, chegámos a um 2022 de muros erguidos, pintados de fresco pela xenofobia.
A guerra é nossa: nas disputas de trânsito, na violência policial, doméstica e civil, nas discussões infindáveis nas redes sociais que, agora, já chegam a vias de facto nas ruas. A paz é um brinquedo partido pelas nossas reivindicações, amolgado pelas nossas opiniões, ao qual puxamos o lustro com a graxa negra das nossas convicções. Julgamos segurar uma pomba, mas nas mãos temos um corvo, prestes a arrancar-nos os olhos.
Há uns dias atrás, em pleno parque de estacionamento do Modelo de Alcobaça, tive de defender o meu filho de dois adultos que nos perseguiram, cercaram e intimidaram para conseguirem um “pedido de desculpas” de uma palermice de uma criança de dez anos. Perante a escolha entre o medo e a raiva, escolhi a última. Tive sorte, pura sorte na estratégia, mas andei dias, ainda ando, envenenado pelo tóxico sentir do ódio. Queria, muito, fazer mal àquela “gente”.
Não me restam dúvidas: é deste pequeno ódio que nasce o grande. Desta perpetuação quotidiana de sentimentos sujos que, a seu tempo, irão substituir as verdades da paz, da comunidade, do entendimento, se é que já não o fizeram.
Necessitamos de mudar de perspetiva se queremos deixar algo mais que um mundo armadilhado às gerações futuras. Temos o dedo no botão. Resta parar o relógio da bomba.