Para ler o parágrafo inteiro precisamos de ter acesso ao livro, isto é, ao tempo da pessoa e só então a podemos considerar do nosso círculo
Susana Santos
A partilha constante, irrefletida, e massiva de informação acerca das nossas vidas, das nossas festas, das paisagens que vemos ou dos pratos que saboreamos dão-nos a falsa ilusão de participar de um imenso círculo social, sem restrições, sem fronteiras, onde tudo é acessível a todos e, portanto, escrutinável por toda a gente. Nada de mais ilusório, atrevo-me a dizer. As pessoas movem-se sempre em círculos pequenos, mesmo quando exibem uma personagem pública que parece ocupar todo o seu tempo. O que vemos nas redes sociais, no caso dos anónimos ou nos demais meios, no caso daqueles que têm ocupações mais públicas, são sempre instantâneos de um tempo que desconhecemos a menos que façamos parte desse seu círculo.
Mesmo quando se trata de um vídeo ou de um discurso ou de uma opinião, o que nos é dado a interpretar será apenas uma palavra num texto que permanece difuso. Para ler o parágrafo inteiro precisamos de ter acesso ao livro, isto é, ao tempo da pessoa e só então a podemos considerar do nosso círculo.
Serve esta reflexão para temperar a falsa sensação de proximidade que tão facilmente assumimos quando na nossa mão, nessa nova extensão do nosso corpo que é o telemóvel, nos aparece a mesa, o rosto ou a voz da pessoa que avaliamos.
Como tudo nos chega reduzido à pequena dimensão de um retângulo, tendemos a dar a mesma importância a todos os episódios e personagens que acompanhamos no nosso pequeno écran, mas, mais uma vez me atrevo a dizer que não, que só o tempo, esse admirável escultor, como diria Yourcenar, pode moldar a verdadeira forma que cada um vai assumindo na memória do outro.
Assim sendo, creio que agora, mais do que nunca, devemos estar atentos ao diâmetro dos vários círculos onde nos movemos, não vá dar-se o caso de confundirmos a nossa pequena esfera, com essa outra, global, onde cabem todos os que têm existência virtual incluindo os novíssimos seres digitais, totalmente inventados por nós.