Foi homenageada na Gala do Books & Movies deste ano, apesar de ser “coisa” a que não liga muito. Uma das atrizes mais queridas de Portugal, com um papel incontornável na cultura nacional, falou com o REGIÃO DE CISTER.
REGIÃO DE CISTER (RC) > Que significado tem para si esta distinção atribuída pelo município de Alcobaça no festival Books & Movies?
rita blanco (RB) > A maioria dos atores gosta que gostem deles. Creio, francamente, que esta “coisa” da homenagem alimenta o ego, que é algo que não quero alimentar, porque não tem interesse nenhum. O meu trabalho é direcionado para as pessoas e, caso elas gostem, essa é a recompensa natural. Não posso ser tão arrogante ao ponto de não perceber que estão a fazer isto com a melhor das intenções e, por isso, fico encantada com a distinção. É muito querido as pessoas gostarem de nós. Nem que seja só uma pessoa já fico tão contente. Temos de aprender a dar e a receber, apesar de ter muita dificuldade em receber. Fui criada numa geração em que não tínhamos ambições, não desejávamos nada e era uma vergonha querermo-nos distinguir dos outros mas… Se as pessoas gostarem de nós, porque não?
RC > O facto de a gala ter sido apresentada por Herman José, seu amigo, teve ainda mais significado?
RB > O melhor do tempo que privei com ele foi vê-lo a trabalhar, o que me ensinou uma série de coisas. Uma determinada geração e outras tantas vindouras foram influenciadas pelo Herman. Mesmo politicamente… “A Noite da Má Língua”, transmitido na SIC, não existiria se não tivesse havido este homem. Foi ele que me ensinou a quebrar barreiras, a não haver distância ou o hábito da subserviência, na maioria das vezes para com pessoas que não nos merecem respeito nenhum. Enfim… Passámos a tratar de igual para igual os políticos. Ele mostrou que a televisão pode ser feita de todas as maneiras e com isso criou uma linguagem nova em Portugal… Portanto, quem devia estar a ser homenageado era ele e não eu. Mas também é sempre uma homenagem para um artista dar-lhe trabalho.
RC > É importante haver estas distinções na carreira de um artista?
RB > As carreiras são as dos autocarros. A minha vida não é influenciada por prémios ou distinções, como é evidente. A minha vida é influenciada pelos artistas com quem convivo, pelos autores que escolho, ou para os quais sou escolhida, e pelas minhas escolhas pessoais. Isso, sim, é a minha vida profissional e artística.
RC > O público português acarinha devidamente os seus atores?
RB > O público, sim. O Estado, não. O Estado não é “pessoa” de bem, do meu ponto de vista, a vários níveis. Um Estado que não acarinha os seus atores, os seus animais e os seus “velhos”, para mim não é pessoa de bem.
RC > Quanto ao panorama cultural em Alcobaça, tem conhecimento de algumas atividades culturais que acontecem por aqui?
RB > Sei pouco. Sinceramente, por uma escolha própria, mas sou um caso aparte, tendo pouco tempo disponível, esse tempo é virado “para dentro” e não “para fora”. Além disso, penso que, desde que as atividades culturais sejam bem comunicadas ao público da região, já é ótimo. Há tanto público aqui. Os eventos não têm de chegar obrigatoriamente a Lisboa. Isso não torna o evento melhor, de maneira nenhuma. Por acaso vim cá há pouco tempo assistir a uma peça de teatro num dos Claustros do Mosteiro, onde entrava o meu amigo Fernando Luís. No entanto, excetuando esse tipo de ocasiões, admito que sei pouco de Alcobaça.
RC > O que é que se pode fazer para melhorar o estado da cultura em Portugal? O Estado entra nesta equação?
RB > Sem dúvida. Temos mesmo é de investir na educação. Já ando a dizer isto há muito tempo. É fundamental, porque se as pessoas não tiverem formação e informação, não podem evoluir. Quanto às escolas, tem de haver formação de professores. Tal como é imprescindível o prazer de aprender e o prazer de ensinar… mas isso implica muita coisa. Não se pode ter um professor que, por exemplo, seja do Algarve e esteja a dar aulas no Porto, pedindo-lhe que seja competente, sem ver a família e os filhos semanas inteiras, já para não falar do ordenado que recebe, que é insuficiente para as viagens. É impensável. Para isso teríamos de fazer magia, mas como ninguém é mágico… Em meu entender, é absolutamente fundamental investir na formação, na educação e na cultura. Caso assim não seja, como se costuma dizer, o resto são “raspas”.
RC > A arte é o oxigénio da vida?
RB > Não. A arte é uma coisa maior que a vida.
RC > E o amor onde é que fica?
RB > Fica no amor à arte. Tudo misturado. Não se pode fazer arte sem amor.