Nasci quatro anos antes do 25 de abril de 1974 e, até aos dezasseis, andei tão entretida com os muitos romances que lia, com os amores que vivia (e com os que só existiam na minha cabeça) que cantava “Somos livres, somos livres”, que aprendi na Escola Primária, sem me interessar minimamente pela letra. No entanto, sei perfeitamente quando tudo mudou.
Foi numa viagem que fiz a Itália no 11ºano. Quando, a medo, em 1986, pedi ao meu pai para ir numa viagem com os colegas de turma, ele respondeu que sim senhor, me deixaria ir, desde que arranjasse dinheiro para a pagar. E eu consegui-o vendendo vinte e oito contos de rifas. Ainda hoje lembro o meu pai, meio apalermado e receoso, a ir levar-me ao autocarro, diretamente da aldeia de Cavalinhos, pronta para uma viagem de dez dias pelo Norte de Itália.
E o que é que isso tem a ver com liberdade? Tudo. Eu conto.
Andava eu deslumbrada com monumentos, paladares novos e tanta loja da Benetton, quando a minha amiga Cristina Raimundo, companheira de viagem, me começou a falar de política e de liberdade. Comecei a ouvi-la cada vez com mais atenção e, quando numa gôndola em Veneza, ela defendeu as suas ideias e cantou, bem alto e sentindo cada palavra, “Grândola, vila morena”, acompanhei-a no canto e senti a mudança acontecer.
Quis saber mais, substitui romances mais cor-de-rosa por livros outrora proibidos, dirigi-me mais à Biblioteca da Câmara Municipal de Leiria para procurar autores que tinham sido censurados pelo antigo regime e comecei a olhar mais à minha volta. Comecei, também, a ganhar coragem para sair da aldeia, para ir mais longe, para me procurar e descobrir.
Voltei à aldeia e continuo a procurar-me, agradecendo a sorte que tenho de viver neste país que outros fizeram livre, onde posso escolher fazer tantas coisas que outros não puderam (e tantos ainda não podem), que me permite hesitar ou ir pelo caminho que eu escolher.
Sou mulher. Sou portuguesa. Sou livre, somos livres… E não podemos, mesmo, voltar atrás!