Cada vez que saio de casa para pôr o lixo, passo por baixo de um cartaz do messiânico Chega. É apropriado.
Afinal, ele irá mudar e salvar o país, nem que para isso tenha de pedir emprestada a energia aos vizinhos da esquerda, como fez o seu homónimo argentino.
Depois do psicadélico mural da JMJ, ali para durar na avenida do hospital, entre outras garatujas desenhadas por ajuste direto na cidade, sinto-me inspirado em dizer que, finalmente, temos político que nos represente com toda a ventura que o caracteriza.
Sim: a nós que mandamos piropos às mulheres e contamos piadas racistas; sim, a nós, que abrimos o pisca na faixa da esquerda para ultrapassar, colados ao carro em frente que segue a 140; a nós que não paramos na passadeira, nem pensar nisso; a nós que estacionamos em todo o lado para a urgência do café e pastel de nata; nós que abrimos as barreiras da proteção civil para ir ao notário, mesmo que o céu nos caia em cima da cabeça. Nós que cremos que todos os artistas que não se balançam da corda macaca dos 50 deputados vivem de subsídios, como se não fosse o nosso país todo ele uma casa de penhores, com o Estado, com os pais, enquanto fiadores do consumo de mais uma moto-quatro para passear na praia; como se não fosse Portugal todo ele corrupto e desorganizado a começar pela selvajaria da ocupação da via pública pelas forças políticas ou por obras sem aviso, que até parece que vai haver metro em Alcobaça.
Finalmente: um homem à nossa altura de barba de três dias, sempre oleoso nas fotos e nas ideias, à nossa imagem, o mais português dos portugueses. Demos graças ao senhor doutor da pantomina que nos resgata à inevitabilidade da maldade dos imigrantes, ao parasitismo dos artistas como eu, e da corrupção que só acontece quando são os outros.
Com o Chega temos, por fim, o que merecemos.