Amélia Conde, vendedora de peixe no Mercado Municipal da Nazaré, levou à reunião de Câmara da passada segunda-feira uma queixa que, garante, se arrasta há mais de duas décadas: a venda ilegal de peixe à porta do mercado, sem condições de refrigeração e sem qualquer pagamento de licenças ou impostos. O problema, que sempre existiu de forma pontual, terá ganho novas proporções nos últimos anos, afetando diretamente quem, como ela, cumpre todas as obrigações legais.
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No local, o REGIÃO DE CISTER constatou a existência de pequenas vendas improvisadas no exterior do mercado, em recipientes de plástico e sem recurso a gelo. Para a peixeira, de 64 anos, que desde criança acompanha a vida da praça, a situação é revoltante. “Tinha 3 ou 4 anos quando comecei a ajudar a minha mãe. Depois casei, tive o meu filho e continuei sempre, verão e inverno. Há 27 anos que estou aqui diariamente. Pagamos banca, temos câmaras frigoríficas, compramos gelo – cada saco custa 3,5 euros – e ainda arcamos com sacos para os clientes, escrita organizada, IVA e IRS. E depois vemos outros a vender sem nada disto, até com peixe comprado na lota, como se fosse quinhão”, lamenta.
O “quinhão” é o argumento frequentemente usado por quem vende sem licença: a parte do peixe que cabe a cada tripulante de embarcação. “Se fosse só isso, compreendíamos. Mas não é. Compram na lota e vêm vender aqui. E ainda há quem ande dentro do mercado, com carrinhos de bebé, a vender peixe sem gelo”, denuncia Amélia, que se mostra cansada da falta de soluções. “A Câmara diz que é com a polícia, a polícia diz que é com a Câmara. E assim andamos. Sei que em tempo de eleições nada vai mudar, mas é triste. Vou a mercados no Algarve, em Lisboa, no Porto ou até em Leiria e Caldas, e não vejo nada disto. Só na Nazaré.”
A indignação é partilhada por Rosária Parreira, também vendedora, com 60 anos de experiência na praça. “Sempre houve quem viesse vender o quinhão, e tudo bem. Mas agora não é isso: compram à lota, vendem sem licenças e conseguem baixar os preços porque não têm despesas. Nós é que ficamos a perder.”
As queixas das peixeiras também se estendem ao passado recente. Amélia recorda que, no tempo do ex-presidente da Câmara, Walter Chicharro, foi autorizada a abertura de uma peixaria com porta para a rua. “Não é justo para nós, que estamos cá dentro a cumprir regras e a pagar tudo. Assim não há concorrência justa.”
Na reunião de Câmara, o chefe do executivo municipal reconheceu que o problema “está identificado há muitos anos” e que tem sido “difícil de combater”. Manuel Sequeira admitiu ainda que é necessária uma maior intervenção policial e sublinhou que a prática começou por estar associada à venda do quinhão, mas “as coisas foram evoluindo”. Consciente da proximidade das eleições, o autarca apelou a Amélia que volte a colocar o tema junto do próximo executivo. Mas, até lá, as peixeiras continuam a sentir-se injustiçadas.
“Até estou a pensar montar uma banca à porta do mercado, sem pagar nada, para ver se é assim que tenho as mesmas condições”, desabafa Amélia, entre a ironia e a indignação.