Estava na fila do elevador de S. Martinho do Porto quando, por mim e pelos demais pacientes veraneantes, passou uma senhora muito fina, com uma túnica verde de praia (as senhoras de bem têm sempre fantásticas túnicas de praia) que arrastava pela mão dois louríssimos filhos com roupa a condizer. O trio ultrapassou apressadamente os expectantes passageiros e subiu as escadas de madeira até ao primeiro andar onde apanhou o elevador na descida, estando já dentro da cabina quando chegou a vez dos passageiros seguintes.
Eu levei com as vítreas portas na cara e esperei mais um minuto, que é o tempo de uma viagem de ida e volta do elevador.
Atrás de mim, um senhor gritou, indignado: – Que pouca vergonha, vejam a espertalhona!
Respondi-lhe com ar conciliador, que não valia a pena exaltar-se, que aquele acto era desprezível e, portanto, não lhe deveríamos dar importância alguma. (Só nas férias me permito atribuir-me o epíteto de conciliadora).
O senhor arregalou-me os olhos e, em tom de alerta, perguntou: – E as crianças? Já pensou nas crianças?
Confesso que corei de vergonha. Tinha-as esquecido no meu comentário e, de facto, eram elas as personagens mais importantes desta história, como me recordou o meu sábio interlocutor.
De facto, com exemplos assim, aquelas crianças passarão o resto da vida a tentar ultrapassar os demais por meios ínvios, sem nunca saberem o valor do respeito pelos outros.
Comportar-se-ão de outra forma quando estiverem na fila para a comunhão da Igreja bem frequentada onde vão aos domingos, mas apenas porque se saberão observados pelos seus pares, gente como eles e não como os estranhos da fila do elevador e, entre os seus, fingirão ser cidadãos exemplares.
Em tudo o resto, serão espertalhões, porque os pais, em pequenos lhes disseram, com exemplos como este, que haverá sempre uma forma de contornar os outros e que, se forem espertos chegarão ao topo antes dos outros.
E é por isso que educar pode ser uma de duas coisas, descer ao nível mais rasteiro para chegar mais depressa ao topo, como fez a senhora da túnica verde, ou subir pacientemente cada degrau em direcção à dignidade.