Nos meus tempos de estudante costumava discutir com uma das minhas amigas sobre a importância da história e da poesia para a construção de um raciocínio crítico. Ela insistia em valorizar o passado. Estava convencida da necessidade de conhecer bem os factos e as personagens da História para entender melhor quem somos hoje. Eu argumentava que era preciso conhecer a palavra dos poetas e que só essa palavra é que transportava a nossa alma…
Numa entrevista notável exibida ainda esta semana no canal público de televisão, o Professor Eduardo Lourenço – que é, na minha opinião, o maior pensador vivo na nossa língua e o verdadeiro guardião e intérprete do espírito português – disse que o que somos é o resultado da nossa memória histórica colectiva e, logo a seguir, acrescenta que essa memória nos é entregue pelos poetas!
Ora, este ensinamento do mestre veio confirmar-nos, à minha amiga e a mim, que ambas estávamos no caminho certo quanto à confirmação da nossa identidade e às bases sobre as quais se devem edificar as nossas reflexões sobre quem somos.
Neste mundo onde já não há lugares misteriosos, porque as imagens de todos os lugares misteriosos estão à distância de um ecrã de computador ou de telemóvel, os grandes descobrimentos parecem continuar a residir na palavra. Isto é, na capacidade que cada um de nós tem para verbalizar desassossegos e dúvidas e mistérios.
Deixo-vos uma das minhas inquietações: Que nos distingue? Quem somos nós, os habitantes dos antigos coutos? Seremos ainda os descendentes da padeira? O fruto do cultivo dos monges? Os pioneiros construtores de barcos, exploradores das pedras ou, como presumo, um pouco de tudo e do mais que soubermos acrescentar ao que já fomos?