Há mais de 30 anos que sou amiga do Luís Peças. Além de amiga sou fã da sua voz. Agora o Luís tem mais encanto porque canta acompanhado pelo João e porque, juntos, nos encantam com as suas vozes maravilhosas.
E o que torna tão especial este par de cantores líricos? Na minha opinião, as suas vozes e a sua música. A grande música, o “mistério da música”, como diz George Steiner. Na sua extraordinária erudição, este autor defende que a música, mais do que a própria literatura, é a prova de que nós somos mais do que um mero fenómeno biológico, porque a música nos toca numa perspetiva universal.
Sempre que podem, o João e o Luís escolhem lugares sagrados para exibir a sua música e já assisti, com deleite, à verdadeira comoção coletiva, provocada pelas suas vozes. Ora, se quisermos, como Steiner, acreditar que a música nos oferece a esperança numa possibilidade do transcendente, que outro local poderiam estes dois contratenores escolher, se não o mais sagrado dos nossos locais de culto, o nosso Mosteiro? Que outro local é tão apropriado para dialogar com o transcendente? Onde, senão ali, podemos ouvir a voz dos anjos como é, como pode ser, a grande música?
Sei que cantam onde podem e que encantam onde quer que estejam. As suas vozes são de uma beleza universal como o são as composições que escolhem. O que às vezes parece falhar é a tal asserção do Steiner. Na verdade, pergunto-me se será verdade que a música tem essa vocação universal, se nós, humanos, somos mais do que uma instalação neuro-fisiológica e se a música nos poderá redimir e abrir a possibilidade do transcendente. Quando cantam na rua, a sua voz eleva quem os ouve, mas não tenho dúvida que diminui quem permite que assim seja.