Nos últimos dois anos reforçou-se a ideia de que ciência são as chamadas ciências duras, e dentro delas a matemática, sobretudo a matemática computacional. Ao lado do “confiem nos especialistas!” (uma pseudociência) está uma tendência de fundo e longa duração, a perda da centralidade das ciências humanas e sociais, a renúncia à literatura como espaço de criação e invenção do social, a política como obrigação e necessidade de todos.
Estas tendências, que vinham desde a derrota das revoluções da década de 60-70, ganharam força com a introdução massiva da informática nos locais de trabalho. Nestes dois anos ganhou novo folego a já longa substituição de Deus pela Ciência (veja-se a quantidade de pessoas que emoldura a sua foto nas redes socias com um “Eu acredito na Ciência”), como se a ciência fosse matéria de fé e não de demonstração, estudo teórico, e claro, hipóteses controversas). Em segundo lugar, assistimos à idolatração (humana) de programas computacionais que reduziram a epidemiologia, uma ciência de carácter eminentemente social, à previsão, sempre errada já agora, de modelos, cuja justificação para o erro é sempre o “imprevisível”, “o vírus que nos surpreende”.
Vejamos, existe uma parte do impacto do vírus que é desconhecida, mas temos um amplo conhecimento acumulado que nos aponta caminhos – desprezados, uma vez que exigiam mudanças económicas radicais em sociedades carcomidas pelo neoliberalismo. Sabemos que a esmagadora maioria das pessoas que adoece ou morre é muito idoso, vive em lares, ou é obesa e tem comorbilidades associadas à obesidade – ora a maioria das pessoas no mundo ocidental com este quadro são pobres ou das classes trabalhadoras e médias.