Amália não é só a nossa voz, é a nossa poesia e toda a nossa alma. A fatalidade, o tempo, o destino, o sonho, o prazer, o desgosto, o amor e a beleza.
Ao trazê-la, ao recuperar as palavras e reinventar as melodias, o Nuno Gonçalves, a Sónia Tavares, o Fernando Ribeiro, o Paulo Praça e os seus e nossos músicos prodigiosos, estão a oferecer-nos, outra vez, a Amália de que somos feitos.
Vão dar-nos um concerto já este sábado. Fechando os olhos, consigo imaginar os primeiros acordes. Adivinho o sobressalto que hão-de provocar no coração dos afortunados expectadores. Ao acenderem-se as luzes do palco, acender-se-ão também as dores, os medos, os mostrengos do passado e o encantamento das descobertas. Virão ao nosso encontro o desassossego e a esperança, isto é, toda a matéria de que somos feitos.
E se olharmos em volta, teremos o cenário perfeito. A imponência do passado vetusto das pedras do Mosteiro, a decadência do Castelo que já não nos protege e que definha, sem, contudo, se apagar completamente, como tantas das nossas memórias.
E se fecharmos os olhos e escolhermos olhar só para dentro de nós, então encontraremos tudo. Tudo junto, num único impulso de vida. De encontro às nossas células, na corrente do nosso sangue, explodindo em milhões de átomos, transmitida através de milhões de sinapses, virá a música. Mais poderosa do que a energia das estrelas, ao encontro do transcendente, estará a música.
Efémera, poderosa, eloquente, frágil como o instante, a música. A música é como um beijo, dentro dele, dentro dela, somos eternos.
No próximo sábado não estarei no Rossio de Alcobaça onde Amália Hoje nos vem beijar. Estarei dentro desse beijo.