Perderam-se os cheiros e os miúdos pedem doces de plástico que as pessoas lhes despejam em abóboras também de plástico
Susana Santos
Nas vésperas do dia de Todos os Santos, ou melhor, do Pão por Deus, já os garotos da aldeiam andavam a chatear as mães e as avós para prepararem o saco ou a sacola de pano-cru ou serapilheira com que naquele dia de brincadeiras e de suor, haveriam de bater a todas as portas, com especial insistência nas portas das vizinhas mais mal-humoradas. Isto, porque no dia do Pão por Deus nenhuma viúva azeda os haveria de enxotar com o pau, mesmo se não tivesse nozes, uvas passas nem brindeiras.
Eram bandos de miúdos barulhentos a correrem para baixo e para cima, numa algazarra feliz. Ao fim da tarde, vermelhos da correria e da felicidade, derrotados pelo cansaço, voltavam às suas casas para mostrar às mães o fruto de tanto esmero. Então, de dentro do saco saiam punhados de frutos secos, romãs, e, claro, as brindeiras doces ou, às vezes, apenas metades ou mesmo quartos, que quem tinha menos, dividia o que tinha.
Nestes dias, a aldeia cheirava a fornos acesos e a aroeira ou medronho ou a qualquer outro arbusto que servisse de vassoura ao forno de cozer. Em quase todas as casas se fazia pão e em todas as famílias se escondia um segredo para as brindeiras doces. Assim se chamavam na minha terra, mas há quem as conheça por broas dos santos ou bolinho do Pão por Deus.
Para mim sempre foram brindeiras doces, as deliciosas oferendas que – durante a tarde e não de noite – se davam às crianças e a todos quantos aparecessem naquele dia de dar. Tinham perfume a canela, a limão e a erva-doce. As mais ricas, claro está, vinham com nozes, passas e pinhões, e havia quem lhes juntasse batata doce, mel e mesmo algum licor, que isto dos segredos, há que mantê-los para que as nossas se não confundam com as da vizinha, nem com as do padeiro, que agora já ninguém faz nada e compram tudo já feito.
Perderam-se os cheiros e os miúdos pedem doces de plástico que as pessoas lhes despejam em abóboras também de plástico. Ficou a algazarra, ficaram as receitas e, espero, a vontade de partilhar o Pão por Deus.