A greve dos funcionários judiciais não só exige salários e carreiras. Condenam a ausência de acesso à justiça.
Raquel Varela
Quando uma pessoa é alvo de um crime quem o recebe e escuta num tribunal é um oficial de justiça, que tem o “dever de disponibilidade permanente”e que estão obrigados a responsabilidades fulcrais como o segredo de justiça. O salário? 800 euros. 5,71 euros à hora. Vários têm 2 empregos, alguns num supermercado.
Só nos delirantes cartazes da extrema-direita liberal isto seria socialismo. É mesmo capitalismo. Um empresário – imaginemos, da construção – , faz um negócio com o Estado. E se há um diferendo? À partida esse negócio é feito com uma cláusula que se houver um diferendo ele será decidido por uma Arbitragem privada. A justiça em Portugal é célere e rápida para as grandes empresas porque criaram uma justiça entre elas e entre elas e o Estado.
Nós ficamos, em média, à espera 12 a 14 anos (tempo de decisão dos tribunais administrativos), mas uma grande empresa soluciona em dias ou meses o assunto.
A greve dos funcionários judiciais não só exige salários e carreiras. Condenam a ausência de acesso à justiça. Denunciam publicamente que o governo criou serviços especializados de violência doméstica para as vítimas nestes crimes onde…faltam funcionários para a normal tramitação destes processos urgentes… Uma ação comum cível custa 612 euros só para dar entrada – se houver perícias pode chegar a 4 mil euros.
Há 15 anos que a carreira destes funcionários está congelada – congelado é um eufemismo para isto – as instâncias financeiras, que gerem toda a economia, estão falidas (garantidas pelo Estado através da dívida “pública”). As carreiras de gestores, acionistas, consultores, progridem insanamente.
A greve – que o governo quer limitar ainda mais proibindo-a, como de facto fez com os professores – é a atos contabilísticos e diligências/audiências não urgentes. A greve é claro um ato civilizatório contra a decrepitude de justiça. O Chega, que diz vir combater a corrupção, nunca contestou os baixos salários do país. O PS vai dando, nos media, palco ao Chega, enquanto paga a dívida pública e nos diz que estamos entre duas espadas – ou aceitamos que cortar salários é a única opção de uma sociedade ou vem lá o fascismo. Estas greves mostram-nos que há outras alternativas – lutar por direitos numa sociedade livre e igual.
O Socialismo a sério só poder ser assim: igualdade e liberdade. A greve é um serviço mínimo prestado a todos nós.