Na tragédia “Ajax”, Sófocles põe na boca de Tecmessa, mulher do rei (Ajax), as seguintes palavras: “Quem raciocina mal e tem um bem nas mãos só saberá disso depois de o ter perdido”. Não sei explicar o mistério das associações mentais, o mecanismo pelo qual nos lembramos de coisas e ambientes improváveis. Na verdade, o que é que esta remota sentença de Sófocles tem a ver com o Abril e Maio de 2023? Ora vejamos…
A propósito das comemorações do 25 de abril, vi, nas redes sociais, as mais variadas posições. Chamou-me especial atenção a de alguém que, comparando quilos de batata com litros de combustível, ordenados e outros dados igualmente heterogéneos, pretendia concluir que, antes de 1974, se vivia melhor. A esta brilhante conclusão, um outro cibernauta acrescentava uma outra: a democracia era muito cara.
A gente lê e não acredita. Porém eles andam por aí. Andam por aí os que só veem virtudes na “Pátria” grande que Portugal era (embora, na verdade, não o fosse nunca, exceto num fogacho ou outro). Andam por aí aqueles que, não lendo nada sobre isso, acham que Portugal nunca foi racista. Andam por aí aqueles que acham (porque, na verdade, “achar” está ao alcance de todos, enquanto o “pensar” está ao alcance de bem menos) que o nosso fascismo, se existiu, foi muito fofinho e que apenas eram molestados os tais que eram contra a pátria e que não queriam marchar contra os canhões. Andam por aí aqueles que acham que os “bandidos” já nascem bandidos, que o sucesso é filho legítimo do mérito e que, portanto, é só concluir: dar cada vez mais aos que merecem e castrar os bandidos… Só que muitos desses “achadores” dão por certo que a democracia está garantida; talvez a deles esteja, mas a nossa, não.
Por isso, para não nos termos de lamentar como Tecmessa, teremos, nestes tempos cheios de casos (com alguns graves, sem dúvida) de saber distinguir o trigo do joio. Ora, a democracia, a liberdade, a solidariedade, a justiça… são, por certo, trigo, não precisando que ele nos falte para saber que dele precisamos.