Este foi o ano em que todos os líderes mundiais alertaram para o grave “problema da desinformação”. Supostamente a sua origem seriam as redes sociais, que divulgariam notícias “falsas”. Não restam dúvidas que hoje há uma enorme circulação de propaganda duvidosa e notícias falsas. Não creio, porém, que o seu problema esteja, principalmente, nas redes sociais. O jornalismo está ele próprio – e com a pandemia adensou-se esta questão – numa encruzilhada. Ou há uma rutura com as práticas atuais como a precariedade e a ausência de trabalho em redação ou o seu declínio é ineludível. Vive-se no jornalismo o que chama uma crise total: crise dos proprietários, crise dos meios, crise dos jornalistas, crise de formação. A demonização das redes sociais não resolverá o problema.
Nas redes sociais não há tempo nem meios para se produzir pensamento e reflexão, mas são um excelente lugar de divulgação desse pensamento.
Desde logo nas redes sociais há de tudo – banalidades, vida pessoal, mentiras; mas também divulgadores científicos notáveis, trabalhos seríssimos de académicos, intelectuais e artistas com obras maravilhosas. É uma questão de escala -, tudo é grande: o mau, mas também o bom. Se o que tem má qualidade aumentou, o mesmo acontece com o que tem boa qualidade. Sublinho – as redes sociais não produzem trabalho sério, nem podem fazer. Nas redes sociais não há tempo nem meios para se produzir pensamento e reflexão, mas são um excelente lugar de divulgação desse pensamento.
O problema hoje não é tanto saber distinguir o certo do errado – esse é um problema geral de educação. O problema das redes é que elas são o inferno de excesso de informação – para se chegar a um belo artigo crítico sobre um determinado tema é preciso navegar, durante horas, por textos nem bons nem maus, selfies, memes, anúncios de férias e casas para alugar. Exige um tempo de que não dispomos.
É aí que volta a entrar o lugar que o jornalismo pode ter. Os jornais diários passaram a substituir, com frequência, reportagens e jornalismo por opinião – casa vez mais superficial. Talvez a solução esteja num retorno ao início. Em vez de fact-check a posteriori precisamos de fact-check a montante, que não é senão outro nome para o Jornalismo. Esperamos do jornalismo artigos de 1 ou 2 páginas, que condensam um trabalho de 2 ou 4 semanas de um profissional, culto, com capacidade de reflexão intelectual, que pensa e investiga, e escreve – sem medo, em diálogo com as melhores práticas, com redações sólidas experientes, trabalho cooperativo, e, evidentemente, com boas condições de trabalho.